POR QUE VIM MORAR NO PRADO - I - II - III
Por que vim morar no Prado!?
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25 de maio de 1998 - Estava encasulado em minha rede preocupado em finalizar o livro que já deveria estar pronto e prometido ao meu agente de Düsseldorf há muito tempo. Ele impacientemente ligava toda semana pedindo pressa. Eu procurava traba-lhar o mais rápido que podia, porém, sempre chegava alguém a me convidar para conhecer novos lugares exóticos ou tomar uma cachaça que fora descoberta numa fazenda do município.
Neste dia, entretanto, tinha tomado uma resolução: não sairia da rede por uma semana até terminar o livro, nem que o Papa viesse me convidar para beber o mais puro vinho descoberto no Olimpo.
Minha perna ainda doía muito e quando olhava para Vadinho, um enorme cão pastor alemão de quase um metro de altura que me acompanhava por longos 10 anos, o amaldiçoava por fazer separar sua briga com outro pulgueiro e por conseqüente levar di-versas mordidas nas canelas.
Mas voltemos às linhas que o espaço é pequeno e o jornal, como todos neste mundo, me pede urgência do artigo.Como disse supra, estava refestelado na rede compenetrado no livro quando mais uma vez sou importunando por Rosita, minha secretária para assuntos domésticos, que descuidadamente varria a varanda e esbarrava na minha perna com a vassoura, me fazendo sentir dores horríveis.
Rosita é uma típica morena baiana nos iniciantes 19 anos de vida, alta para a média das nativas, cabelos longos e lisos, pernas compridas sem ranhuras e seios rígidos e pontiagudos - desculpem pelos arroubos. Voltamos ao artigo. Na terceira vez em que minhas pernas foram tocadas pela vassoura, esbravejei:
- Rosita, minha ilustre secretária, você não percebeu ainda que as vassouradas estão danificando minhas pernas? ...Tome mais cuidado!
Ela pediu desculpas e continuou na labuta. De rabo-de-olho percebi sua inquietude e dado mo-mento ela me perguntou de pronto:
- Doutor... por que o senhor veio morar no Prado?
Aquela pergunta me pegou de surpresa. Não respondi e continuei a escrever. Dez minutos depois, Rosita fez nova indagação:
- Doutor... o senhor que é um homem viajado, que conhece muitos lugares, por que veio morar no Prado?
Simplesmente respondi:
- Rosita, minha filha, por favor não me interrompa e não tire minha concentração! – E continuei a escrever.
Com os olhos e mente cansados, depositei os papéis e a caneta no chão e fiquei pensando na pergunta de Rosita:
- Por que vim morar no Prado...!?
Em fração de segundos veio a resposta em meu subconsciente: a despoluição, a descorrupção, o sistema de saúde, saneamento e educação que funcionam, praias limpas, sistema viário de primeiro mundo e, principalmente, belas mulheres.
Jornal de Prado - 10/08/98
Por que vim morar no Prado!?
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Salve-se quem puder!
31 de maio de 1998 – domingo. Duzentas e oitenta folhas manuscritas acarpetavam a varanda com os capítulos do meu livro. Enfim terminara. Vadi-nho, meu velho cão-pastor, aproveitava a quentura dos papéis para fazê-los de colchão e ressonava na sua posição favorita: com as quatro patas para cima.
Rosita, minha secretária para assuntos domésticos, ao passar por Vadinho e vê-lo naquela postura bizarra, me repreendeu:
- Doutor, tire Vadinho de cima dos seus escritos porque pode rasgá-los, além disso seu jeito de dormir é muito indecente.
Eu olhei para o cão e concordei com Rosi-ta. Vadinho decerto sonhava com alguma poodle muito sexy, pois seu membro estava ereto e proeminente. Mais que depressa juntei diversas folhas imprestáveis, fiz uma bola e joguei sobre o animal, que acordou as-sustado com cara de poucos amigos e foi se deitar sob a mesa de ping-pong.
Enquanto Rosita juntava os manuscritos dispersos pelo chão, tomei do celular e liguei para Ângela, minha assistente literária e datilógrafa. Logicamente vocês, meus seis leitores pradenses, esperam que eu a descreva como uma loira exuberante. Acertou quem a imaginou como uma mulher loira, entretanto nem tão viçosa. Ângela é uma balzaquiana de Nanuque, abandonada pelo marido com um filho de três anos e quem datilografa e organiza meus parcos textos literários. Ângela apenas me surpreende por suas companhias que são sempre femininas, não que eu tenha algum preconceito por suas preferências, até entendo que, depois de tanto sofrimento, tenha procu-rado e conseguido compreensão, amizade, solidarie-dade e amor de um modo todo peculiar, de um modo todo seu. Paciência...
Mas voltemos ao artigo, senão o editor po-derá achá-lo por demais extenso e irá capengá-lo.
Após falar com Ângela, recebi a visita do Professor Jorge, que me convidou, depois de muitas falsas promessas, para tomar umas cervejas no bar do Afonso, o que foi aceito de imediato. Durante o tra-jeto pudemos observar o início da campanha eleitoral, que era marcada com diversas faixas estampadas pe-la cidade. Uma, em particular, chamou nossa atenção: “Miguel Ballejo – para Deputado Estadual – PV”. Vendo minha curiosidade, o professor fez um comentário:
- Parece ser uma pessoa séria! O partido tem propostas interessantes.
Apenas respondi:
- Assim espero!
Depois da quarta cerveja, embalados pelo som arpejante de Andréas Vilhender, um estrondoso e sinistro barulho despertou os freqüentadores do bar.
Todos correram curiosos para se interar do que estava acontecendo: um carro, ao fazer uma manobra, atropelara um menino de 11 anos. Pelo semblante do mancebo a dor parecia insuportável, e, a olhos nus, poderia se perceber uma fratura exposta do osso da coxa e um profundo ferimento no abdômen, que sangrava abundantemente.
Afastamos os abelhudos, peguei o celular e liguei para o hospital. Uma voz aveludada atendeu. Expliquei o acidente e a urgência de uma ambulância com um médico. A atendente simplesmente respon-deu:
- Lamento, senhor, o hospital não tem am-bulância e a única do município fica estacionada na prefeitura.
Após breve pausa, ela completou:
- Se ficar...!
Perguntei então pelo médico. Ela respon-deu:
- Lamento, senhor, não temos médico de plantão. Hoje é domingo e ele deve estar com a família na fazenda. Se o senhor quiser posso ligar para ele que estará aqui dentro de uma hora.
- Então a senhora me faça um favor. Ligue para o Corpo de Bombeiros e peça para uma equipe de resgate vir para o bar do Afonso com urgência – solicitei apreensivo.
A atendente respondeu, desta vez, com a voz não tão aveludada:
- Está de brincadeira comigo, senhor? No extremo sul da Bahia não temos Corpo de Bombeiros e muito menos equipe de resgate.
Agoniado, finalizei:
- Obrigado, senhorita. Por favor ligue para o médico que levaremos o menino para o hospital.
Todos em volta me olhavam com os olhos esbugalhados quando uma voz gaiata se fez ouvir:
- A ambulância da prefeitura deve estar transportando vassouras doentes do prefeito para algum hospital!
Acomodamos o garoto sobre uma prancha de surf e partimos para o hospital. Quando chegamos, uma maca e a enfermeira já nos esperavam à porta. Quando empurrávamos a maca hospital adentro, a enfermeira nos estancou:
- Um momento, senhores! Primeiro vocês terão de preencher estas fichas e pagar a taxa de atendimento.
Impaciente, reclamei:
- Senhorita, o garoto está se esvaindo em sangue e você vem com papeladas e taxas para pagar! Este hospital não é público, não é municipal?
Entredentes a enfermeira respondeu:
- Éramos conveniados com a prefeitura, mas como não recebíamos pagamento há cinco meses, fomos obrigados a cobrar taxa de atendimento e os medicamentos.
Preenchi os papéis e paguei as taxas devidas. Quase duas horas depois o médico chegou e finalmente atendeu o paciente. Após os exames preliminares, diagnosticou:
- O quadro clínico do menino é muito grave. Infelizmente não temos condições de operá-lo aqui – e completou pesaroso – nosso radiologista está de férias, o fio de sutura acabou ontem, os bisturis estão sem cortes e o anestesista está em lua-de-mel. Recomendo levá-lo para Vitória o mais rápido possível, nem Teixeira poderá hospitalizá-lo.
Uma UTI móvel fora providenciada e partimos para Vitória com o menino no soro.
Por milagre de São Benedito, o menino Marquinho foi salvo. Voltei para Prado, deitei na rede, acariciei a cabeça do meu velho cão e adormeci.
Rosita me acordou com um envelope na mão. Abri-o e pude ver meu primeiro cheque referente aos direitos autorais de meu livro. Nem tudo estava perdido.
Jornal de Prado - 08.09.98
Por que vim morar no Prado!?
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Incompetência ou macumba?
Devido a fatos alheios a minha vontade, esta coluna – TEMPOS MODERNOS – não abordará o assunto programado e determinado para está edição. Porém, podem ficar tranqüilos que na próxima, será explanado um tópico do interesse de todos nós: EDULCAÇÃO E CURTURA – A saga de um povo.
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10 de junho de 1998 - Ao levantar-me da cama tropecei no travesseiro que imprevidentemente se encontrava no chão e bati fortemente com a cabeça no guarda-roupa. Após praguejar meia dúzia de palavrões, contei até dez e falei com meus botões:
- Não fique nervoso Alonso, hoje é um dia muito especial.
Finalmente minha patroa Isaura e minhas filhas Nastassja e Mariana chegariam de férias da Europa. Solicitei a Rosita, minha secretária para assuntos domésticos, para trazer a correspondência e alertar Jarbas, meu motorista, que ficasse de prontidão para ir buscar minhas três jóias preciosas.
Como de costume, deitei na rede e senti que alguma coisa faltava ao redor. Olhei para todos os lados e não vi Vadinho, meu velho cão e fiel escudeiro. Chamei-o, chamei-o e nada. Perguntei a Rosita por ele e ela, cabisbaixa, respondeu:
- Doutor, não foi minha culpa, Vadinho fugiu atrás de outro cão e um caminhão o atropelou!
Com o coração a soluçar, ordenei:
- Mande fazer um sepultamento decente, por favor!
Entre a correspondência um envelope pardo e volumoso chamou minha atenção. Abri com todo cuidado e encontrei uma longa carta grampeada ao exemplar do Jornal de Prado. A carta, de um dos meus seis abnegados leitores pradense, protestava contra os artigos deste teimoso escritor, pois além de faltarem frases inteiras, havia erros de concordância e ortográficos que os deixavam ininteligíveis, mutilados. Finalizou o missivista, tristemente afirmando, que não leria mais o jornal e que não contasse com ele como meu persistente leitor.
Contrariado com as reclamações do meu leitor, peguei o celular e liguei para o editor do jornal. Expliquei o conteúdo da carta e da perda irreparável. Ele simplesmente respondeu:
- Doutor Alonso, a incorreção só pode ser da gráfica, o revisor é pessoa séria e não boicotaria seus artigos. – e continuou – Realmente é inusitado que somente seus artigos sejam publicados com falhas.
Já aborrecido, interroguei:
- E os honorários pelos artigos, quando mandarão meu cheque?
- Breve, e fique calmo que vou investigar o motivo de tanta incompetência.
Dedilhando o restante da correspondência, outro envelope trouxe um pouco de alegria neste dia cinzento. Junto com duas passagens aéreas, meu editor alemão intimava minha presença, por seis meses, para o lançamento de meu livro por toda a Europa.
Neste ínterim, adentra meu ilustre vizinho e infortunado companheiro das letras: Professor Hetílico. Comentei sobre a carta do naufragado leitor e da viagem à Europa. Depois de haurir um longo gole de uísque da pequena garrafa que tem sempre no bolso, o professor aconselhou:
- Meu preclaro amigo, procure seu advogado e processe o jornal pela incompetência e pela perda do leitor. Caso Vossa Senhoria não saia vitorioso, vá num terreiro de macumba e tome uns passes, porque seu caso é gravíssimo.
Apenas respondi:
- Vou pensar na sua proposta, professor!
À saída, o Professor Hetílico ironizou:
- Você, meu iluminado colega, cobra muito alto, muito dinheiro por seus artigos!
Com a expressão tristonha pela perda de Vadinho e do leitor, rebati:
Eu sou seguidor da teoria do saudoso poeta lusitano Manoel Joaquim: cobro caro, se vão me pagar, não sei!
Nota do autor: Aos meus cinco leitores, obrigado pela fidelidade. Ao sexto, deixo a indenização do processo contra o jornal. Até breve.
Jornal de Prado - 08.10.98