Questão de Princípio

Omar era um cara sério, trabalhador, super gente boa. Tinha umas dívidas aí, como todo bom brasileiro. Procurava manter suas contas em dia, e não suportava a idéia de ficar devendo. Certo dia ia caminhando pela rua e encontrou uma carteira. Antes de abaixar pra pegá-la, olhou pros lados pra ver se alguém estava olhando. Só depois de ter certeza que não estava sendo observado, trouxe o objeto pra si.

Só tirou a tal carteira do bolso quando chegou em casa, e mesmo assim, com a consciência pesada.

Ficou só observando o formato, a cor, o volume, o valor sentimental. Em momento algum, sequer lembrou de pensar no dinheiro que poderia haver naquela carteira.

- Trocou de carteira meu amor?

- Não! Achei na rua quando vinha pra casa.

- E quanto tem aí?

- Ainda não vi.

- Abre aí Omar! Vê logo o que tem dentro. Quem sabe tem uma grana preta? A prestação do carro tá atrasada, esqueceu?

Omar então lembrou da ocasião em que era criança e havia perdido sua caixa de canetinhas Silvapen, no pátio do colégio. Nunca mais encontrara. Teve também aquela vez em que sua bola de capotão caiu na casa de Dona Diva, e ela não devolveu.

Voltou à carteira e num impulso, abriu-a. Uma carteira de identidade em estado deplorável. Não soube distinguir o que era a foto 3x4 e o que era a impressão digital. Apenas o nome do cidadão.

Em outro compartimento, havia um cartão bancário, um cartão do dentista, que no verso trazia os horários de consulta – tava mal de boca o cara! –, e um bilhete: “Igor, o Andrade pediu pra você ligar urgente. Falou que precisa da grana hoje! Bj. Ana”.

Guardou-a.

No outro dia, ao caminhar pelo mesmo trajeto de sempre, em direção ao trabalho, Omar segue com costumeira calma. Passos curtos, em pausado andamento, vai se aproximando do local onde encontrou a carteira.

Ali chegando, reduziu mais ainda os lentos passos e, olhando para os lados, em tom desconfiado, abaixou-se para amarrar o sapato e deixou cair a carteira do bolso. Difícil não acreditar que era a mesma carteira que havia encontrado no dia anterior. Levantou-se, e seguiu.

Alguns metros depois, sente uma mão no ombro:

- O senhor deixou cair ali atrás.

- Obrigado rapaz, mas não é minha.

- É sua sim, eu vi quando caiu. Quando o senhor abaixou para amarrar o sapato.

Omar, sem graça, batendo nos bolsos:

- É minha mesmo. Obrigado.

- De nada. É que aprendi que não devemos nos apoderar de nada de outra pessoa. Questão de princípio, se é que me entende.

- Entendo sim rapaz. Entendo sim – disse Omar guardando a carteira e seguindo ao trabalho novamente com seus calmos passos. Quem sabe um dia encontre o dono.

Foi caminhando com o pensamento na carteira e em sua atitude de tentar devolvê-la, agindo conforme seus princípios. Ainda bem! Mas pecou, pensou ele, por aceita-la novamente quando o rapaz o surpreendeu.

Começou a discorrer sobre a palavra. A primeira coisa que lhe veio em mente foi o casamento, não o seu, mas o ato em si. Lembrou que prum casamento ser consumado, é preciso um homem e uma mulher, virgem de preferência. Questão de princípio. Só assim o casamento dará certo (sic)!

Melhor voltar, e deixar cair de novo a carteira. Melhor não ter ilusões. Amanhã vence outra prestação do carro.