Samul, o  Paxá
     Samul, o Paxá, ali na sua herdade era Paxá de verdade.
     No salão principal era um príncipe sem igual.
     O trono, um sofá, era um berço esplêndido para o seu corpo talhado, sentado ou deitado.
     O pano aveludado, macio aconchegante.
     Poltrona criada para o conforto do corpo. E larga, caso lhe apetecesse deitar ali a   criada.
     Trono folhado a ouro, uma amostra do tamanho do seu tesouro.
      Deitado naquele sofá o Paxá era valente, dono de toda a gente.
      O Harém era dele e de mais ninguém.
      Eunucos por todo o lado tomavam esse cuidado.
      Às mulheres oferecia pouca ou nenhuma cortesia, estavam ali para o  servir. Se não o deixassem  contente, era hora de partir.
      Paxá de verdade não tem piedade.
      O chicote entrava fundo na carne de todo o mundo.
      De tanto ficar no trono sentado, deitado, o seu corpo adoeceu.
      Samul, o Paxá, morreu.
      Pensou logo: vou para o céu. Bateu à porta meio  desconfiado.
      Depois falou com os seus botões: Paxá é Paxá, o que é que há!
      Para  sua surpresa um anjo abriu a porta e mandou-o entrar.
      Desceu uns degraus, deu para perceber que os corredores que via, pela pouca luz que  havia, aquilo era o porão do céu, mesmo assim ainda era céu.
      Quase no final do corredor uma porta se abriu,  Samul,  o Paxá ficou pasmado: aquela era  a sua sala, igualzinha, tal qual, e o trono, o sofá, tal qual ao que deixou cá. Tudo, tudo era igual.
      O anjo então lhe disse: -  acho que não falta nada, Deus é bom, aqui está tudo que querias quando no outro mundo vivias.
      - Mas isso eu já tinha lá.
      - Este era o céu que pedias, o que temias perder, agora é teu para valer.
      - E as minhas mulheres?
      - Assim como tu também faziam os seus pedidos, sempre os mesmos: pediam para o céu as ajudar a se livrarem de ti; para que os teus olhos nunca mais as vissem; para que as  tuas mãos nunca mais as tocassem; para que a tua fúria nunca mais sobre elas caísse; para que o teu chicote nunca mais em sua carne encostasse.
      - E os criados?
      - Assim como as tuas mulheres pediam para que o teu chicote fosse aposentado, parasse   de ferir o seu corpo chagado.
      -  Assim com tu todos foram atendidos.
         Samul olhou mais: lá estava o seu chicote na parede pendurado, aposentado.
      - Só um pedido: será que é permitido fazer daqui uma ligação para o meu irmão?
         O anjo passou-lhe o seu celular.
      - Samir! Sou eu, o teu irmão Samul que morreu.
      -Samir! Espalha para todo o mundo que tomem cuidado com o que andam a pedir a Deus.
       Ele sempre atende as súplicas de todos os filhos seus.

                                                                   Lita Moniz