NÃO ERA O FIM DO MUNDO

Nunca esqueci aquela madrugada em que nossa mãe nos reuniu para morrermos juntos, porque chegara o fim do mundo. Foi quando morávamos em Saracuruna, que por outras razões também nunca esqueci. Recordo que uma sucessão de estrondos ensurdecedores abalavam as paredes, pela trepidação, e pareciam forçar a porta e a janela para dentro do cômodo que ocupávamos naquela vila de casas. Pelas fendas, víamos um clarão imenso lá fora e podíamos ouvir as vozes desesperadas de pessoas que se aglomeravam na rua.

Ficamos dentro de casa. Nossa mãe jamais concebeu a ideia de morrermos separados. Longe um do outro. Sempre se armou para não deixar que nada ou ninguém nos dispersasse. Para que nada ou ninguém nos tirasse dela, pelo menos enquanto não fôssemos autossuficientes para seguirmos devidamente criados, nossos destinos: Trabalho, carreira, casamento, escolhas... Queria nos preparar para o mundo e a vida; enquanto isso, viveríamos juntos; morreríamos juntos, se fosse o caso. Nem o fim do mundo nos arrancaria de seus cuidados.

Com exceção do Jô, que naquela época dormia um sono de pedra, e da mesma forma, nem o fim do mundo podia despertá-lo antes da manhã, ficamos na expectativa. Sequer me lembro de quantos foram os estrondos ou de quanto tempo durou aquela eternidade. Só sei que foi uma eternidade, como são eternos todos os momentos de angústia, dúvida, medo, insônia e solidão.

No fim das contas, não era o fim do mundo. Quando já nos conformávamos, ouvimos passar um carro de som, cuja mensagem pedia que o povo se acalmasse, pois uns tanques de petróleo da refinaria em Campos Elísios explodiram, mas tudo estava sob controle. Campos Elísios, onde se localiza a Refinaria de Duque de Caxias, é um bairro bem próximo de Saracuruna.

O dia raiava. Era nova manhã. Refeitos do susto, e sabedores de que não havia mais perigo, eu e o Beto, já quase adolescentes, demos um jeito de nos aproveitar do alívio de nossa mãe, para irmos lá fora. Foi uma tentativa de vermos algumas mulheres seminuas que ainda estivessem na rua, e nesse caso, não fazíamos questão alguma da família inteira reunida.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 01/07/2012
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