CADA CRETINO DE UMA VEZ

Que caíssem sobre mim todas essas frases vazias – mas tão cheias de si! – em um dia único, de uma só vez, daí dormiríamos um sono apertado para, além, nos custar dois ou três dias, no máximo.

Não estou escrevendo para nenhum analfabeto olfativo, todos os poucos que me leem moram no aroma das coisas, sacam que as frases liberam cheiro, manjam do perfume das palavras. Sabe você que as ideias comungam através do poder que as manias possuem e, também, que juram fidelidade plena a quem as desafia.

Sócrates falou bem das mulheres num tempo bem menos platônico, sacudiu a molecada e tratou por doença aquilo que deixava, de fato, doente. Adivinha o que aconteceu? Napoleão, que adorava rima, detestou-se maquiavelicamente por saber que soldados aliados podiam dialogar com Hegel. Proibiu a filosofia. Qualquer ditadura impõe: “não Kant, não, Kant!”... E as democracias modernas também. Adivinha o que sempre acontece?

Que somente caíssem as frases vazias...

Outro dia, pelo calçamento à esquerda de quem vinha do Largo da Fé, aquela moça tropeçou e partiu o joelho ao meio. Doeu-nos a vista. Certeza que a rótula precisará ser trocada, todos dali acreditam não haver cálcio que a recomponha. Eis que um “poderia ter sido pior...” tentava alentar a dor da menina que apenas tremia: ao gemer da alma!

O “pior” vem sempre acompanhado de algo que nem deveria ter sido, e, por isso, como aconteceu teria uma culpa a ser assinada... Ou... É a demonstração de que há oposto solucionável? Pois, no fundo, não é possível que alguém se submeta a fazer um sofredor crer que o sofrimento será superado se o consciente considerar alguma possibilidade pior do que aquela. Há dores impossíveis de ser dissimuladas...

...a dor do amor profundo, a dor do óbvio perdido, a dor das impossibilidades, as dor da exploração, a dor do irreconhecível, a dor que fermenta o dente, a dor que distorce o elo entre as coisas, a dor que engana, a dor que nunca esquece. E, por que não, a dor a partir do joelho daquela moça?

Olhar-se além do espelho na intenção de enxergar apenas as verdades, pode fazer qualquer um passar pelo tempo sem perceber que está. Ou, no mínimo, não saberá escolher entre a palma e a calma. Talvez, e por fim, aconteça de acontecer nada demais, apenas a elucubração latente: – a verdade está no olho de quem vê.

E por isso mesmo ninguém percebe que definir o relativo já torna toda verdade uma constante fechada – em si mesma.

Ensimesmaram o que é, por ciência, coletivo. Pois que verdade sempre será verdade, dita por quem for: a condição está em quem ouve. Entusiasmaram o indivíduo a ter que olhar por cima: abaixaram o elevador da gente toda de uma vez. Apimentaram a palavra “especial”, colocaram-na num pote e despejaram em cada um: “é você”!

Bastou um elogio para a condição estar realidade. Fincou-se uma alegria e a palavra faz sentido. Estamos eufóricos, e isso mesmo é o que importa.

O resto é frescura ou ousadia.

E as frases se esvaziam todas de uma vez. Mas ninguém está para perceber.