O BLOQUEIO
... E aqui estou olhando para você. E aí está você olhando para mim. Nada de gestos, nenhuma palavra, apenas a recíproca do olhar fixo na extensão de seu vazio..
Quanto mais fundo tento penetrar em sua forma, mas próximo fico de meu patético e medíocre exterior, então eu recuo e me mantenho na zona neutra.
Sinto-me ridículo, desconsertado... penso no fundo do poço, no fim do túnel, no final de linha... Talvez nos fins, finais e fundos consiga encontrar algo para contar e assim, por fim à essa nossa constrangedora situação. Ainda assim, nada acontece. E eu continuo olhando para você e você olhando para mim. Essa nossa insistência não parece fazer
Sentido.
Lembro-me dos nossos bons tempos. Éramos cheios de emoção. Eu lhe dizia tudo logo no primeiro olhar. Minha mão deslizava suave e deleitadamente em seu corpo solícito e receptivo. A sintonia era total e a harmonia perfeita. Logo chagávamos mutuamente ao orgasmo e, mais um filho fora concebido. Agora eu apenas olho para você e você para mim.
Minha presunção não me permite admitir que estou incapaz, então eu forço a barra e inicio uma estória. Mas logo vejo que não tem graça, não tem pé, nem cabeça, eira nem beira, chegando à pieguice, que horror! Aí a dignidade me faz parar.
Resignadamente pego-a, amasso-a, embolo-a e atiro-a no sexto de lixo ao lado.
Êpa! Errei de novo! Irritado, apanho-a no chão e a faço juntar-se às outras.
O cesto está quase cheio!