A manada virtual
Não, eu não acho alguém dizer que “morre de ou por amor” lindo via rede social. Até porque na grande maioria das vezes a mesma pessoa que diz que morre de amor, dali a 2 meses já está achando o namoro “meio chato”. Ou reclamando do ciúme extremo do outro lado, ou dizendo que o outro não quer se compromenter... E não, eu não vou tirar a minha foto no perfil da rede social e colocar uma de nós dois sorridentes. Não vou deixar de ser eu pra me tornar “eu mais você”, porque no apagar das luzes, na hora H, você não é eu, e eu não sou você. O que me torna feliz numa relação é estar ao lado de alguém que é uma pessoa completa, e não uma metade cambeta que dá a entender que precisa de uma muleta pra viver. Tampouco vou colocar mensagens e indiretas para as pessoas que supostamente sentem inveja da minha felicidade. Se eu sou feliz, não há espaço para me importar com gente invejosa. Só se importa realmente (e tanto assim) com a inveja alheia, quem deseja parecer mais feliz do que de fato é. Também não vou passar o dia mandando mensagens edificantes de pensadores, intelectuais e artistas de renome, enquanto minha própria vida é uma prova de que eu não pratico nada daquilo que as tais mensagens aconselham.
Não, eu não vou achar que salvar os animais é colocar online uma foto de um cão machucado. Colocar uma foto online é fácil, difícil é ter cabeça no lugar e saber que não dá pra salvar todos os bichos do mundo. Eu não vou achar linda aquela roupinha que faz o seu cachorro parecer ridículo. Tenho certeza que ele concordaria comigo que tratá-lo “como se fosse gente” é de uma certa forma, subestimá-lo em sua condição. Acredito profundamente que na sua maioria, os bichos são muito mais dignos que o ser humano, e quem tenta humanizá-los demais acaba por ofendê-los. Não, não vou bater palmas para as iniciativas de “acumuladores de animais”... Pessoas que por alguma deficiência emocional, deixam de resolver seus problemas vestindo um manto de salvadores dos pobres bichinhos, muitas vezes condenando-os a condições aquém das ideais, cegos por um “amor” que é apenas uma maneira de ocultar uma doença... E que acaba deixando os pobres animais doentes também.
Não, eu não vou compartilhar aquela mensagem de ajuda a uma criança deformada, porque a criança deformada da imagem é a mesma de um e-mail que recebi há uns 5 anos atrás. A não ser que essa doença congele o crescimento, a essa altura a criança já morreu ou foi curada. Tampouco vou compartilhar aquela mensagem da menininha desaparecida segurando uma flor. Se contar da primeira vez que recebi essa foto, a menina já deve estar com uns 15 anos hoje em dia. Mas na foto, continua com os mesmos 2 ou 3 anos de idade. E não, eu não vou fazer apologia da minha religião pra quem quer que seja. Se eu desejo seguir minha crença e não imponho a ninguém que o faça, se torna desagradável que acenem insistentemente os pequenos fanatismos do cotidiano na minha frente.
Ainda há muito humor, arte, beleza e poesia nas coisas simples do mundo... Mas a sutileza está morrendo, soterrada na mediocridade de uma sociedade que só pensa em termos de agora ou nunca, de vida ou morte, de amor ou ódio. As mentes se estreitam, se apequenam, as artérias ficam cada vez mais estreitas, entupidas pelo açúcar de um romantismo piegas. Há poucas pessoas capazes de olhar por cima desse muro, capazes de enxergar que há um mundo fora da caverna. E aos que já enxergaram, há todo o descontentamento em ver o quanto os que continuam lá dentro brincam com as sombras, de costas para a realidade. Compartilhe coisas boas, mas antes, descubra por si ou que elas são. Tente pôr a cabeça acima e olhar em volta, pois seguir a manada é muito fácil.