SÍLVIA
Fátima Irene Pinto

Gostaria de escrever aqui uma mensagem sobre as mães que fôsse tão linda e tão comovente como a de Don Ramon ou a de Giuseppe Chiaroni.
Poucos autores tiveram tão sublimes inspirações para enaltecer suas mães e todas as mães do mundo. Não é de se admirar que tenham se tornado imortais.
Então, dentro da minha prosa singular, resolvi falar um pouco de Sílvia, minha mãe.
 
Ela foi bem mais do que uma mãe, mas uma amiga e por que não dizer um anjo guardião durante os meus cinquenta e dois anos.
A afinidade era tão grande que podíamos adivinhar o que a outra estava pensando. Eu sabia quando minha mãe não estava bem, mesmo que ela ocultasse de mim para não sobrecarregar-me a lida.
E ela sabia quando eu não estava bem, por mais que eu colocasse um sorriso no rosto para que ela não se afligisse.
 
Em cada aniversário que eu fazia, eu recebia lá no banco uma longa e linda mensagem onde ela me agradecia por eu ser tão responsável, tão boa filha, tão boa irmã, relembrava as circuntâncias em que eu nasci, fatos marcantes da minha infância e sempre terminava me abençoando.
Ela me achava valente e lutadora. Não que ela não conhecesse de sobra os meus defeitos e fragilidades, mas sempre fazia questão de ressaltar o meu melhor lado.
E quando eu a via vergando aos poucos ao peso dos anos, era a minha vez de escrever lindas cartas para ela, descrevendo em linhas generosas a grande criatura que ela era, agradecendo por eu ter nascido de seu ventre.
 
Nossa família era muito unida enquanto ela esteve viva. Agora tentamos (em vão) continuar unidos, mas tanto eu como meus irmãos, nossos filhos, sobrinhos e noras experimentamos um vazio muito grande pois minha mãe era a grande maestrina do núcleo familiar que nós éramos. Da minha parte, eu não parei de tocar e fiz a vida seguir em frente...mas confesso que às vezes falta afinação nos sons que emito.
 
Foi minha mãe que me ensinou a orar, foi ela que colocou livros em minhas mãos, foi ela que criou meus filhos para que eu pudesse ir à luta, sabendo que só podíamos contar com os frutos do meu trabalho. Morávamos numa casa pequenina... mas quanto aconchego havia nela!
Num pequenino espaço de terra ela cultivava seus gerâneos e seu pé de acerola. Ela acordava cedinho e enquanto a água fervia para o café, eu a ouvia lá no quintal fazendo uma saudação e uma prece agradecendo pela chance de mais um dia. De tarde, quando eu chegava do banco, ela me fazia beber a água benta do Pe. Alberto Gambarini. Embora muito culta pela avidez com que lia nas poucas horas disponíveis, cultivava uma fé simples. Ela era simples mas havia um refinamento que transparecia em seus atos.
 
Ela gostava quando eu a colocava no carro com os meninos e ficávamos rodando pelas ruas de Descalvado ao som de Vivaldi tocando no tape do carro. Sempre me pedia para parar na Igrejinha de N.S.Aparecida pois na frente havia uma cruz inclinada. Então deixávamos que ela fôsse sozinha até a porta da Igreja que estava sempre fechada mas que, mesmo assim, não a impedia de orar fervorosamente e depois abraçar a cruz inclinada.
Não sei se eram os meus olhos cheios de ternura, mas eu tinha a impressão de vê-la cheia de luz nessas horas e até podia adivinhar quais eram as suas palavras, abraçada àquele madeiro.
 
Minha mãe exercia a caridade espontaneamente.
Ainda em Pirajuí, ela levava livros e cigarros para os detentos nos dias de visita.
Os pobrezinhos a amavam pois ela os visitava em seus barracos, levava mantimentos, roupas, cobertores e, quando estavam doentes, ela orava a Prece de Cáritas. Muitos morreram em seus braços.Decididamente ela não conseguia ficar indiferente à dor alheia e ainda assim, era otimista, alto astral e brincalhona.
Ela nasceu vocacionada para ser Mãe e dizia que só lastimava não ter aprendido dirigir e tocar piano.
Nada a comovia mais do que ouvir um piano bem tocado.Eu não tinha piano mas fazia meus saraus de teclado para ela e as lágrimas desciam fartas pelo seu rosto.
 
Quando ela enfartou aos oitenta e um anos e ficou muito mal no hospital de S.Carlos ela disse à equipe médica. - Podem sossegar que eu não vou morrer agora, não! Só vou deixar o planeta quando minha filha se aposentar e puder assumir o meu lugar. Até lá meus netos estarão mais criadinhos.Portanto não quero ser operada e quero voltar para a minha casa.
Deixamos o hospital e o médico me disse que o caso dela era crítico. Uma questão de dias.
Mas mesmo assim, ela surpreendeu os médicos vivendo com qualidade de vida
por mais dois anos e meio!
 
Em 2004 eu me aposentei e com o dinheiro da aposentadoria comprei uma casa espaçosa no centro da cidade. Tinha tudo na mão, de supermercados a lojas e outros confortos e belezas que eu sei que ela amaria, até mesmo uma frondosa mangueira e um pé de pindaíba no quintal para ela se lembrar de meu pai. Mas a casa grande acolheu apenas a mim e aos meus filhos. Minha mãe se foi exatamente no prazo que ela mesma havia escolhido. Ela esperou eu me aposentar!
Dessa época em diante eu teria uma outra longa história para contar....mas quem sabe meus filhos um dia possam contá-la para meus netos, se eu os tiver.

Hoje só posso olhar para trás e separar o tempo e a vida em antes e depois dela e dizer que esse "depois" levou embora parte da luz e da alegria que havia em mim.


29.04.2012
Descalvado - SP

Foto de Silvia Veronesi Pinto em sua mocidade