Uma loucura elaborada

Ela tinha um sonho. Eles eram estranhos, às vezes embaçados, tão turvos que não podia se lembrar. Apenas um flash de imagens. Outros nítidos, cheios de cores, sons, cheiros. Tão, tão vivos...

Em seus sonhos podia fazer tudo o que queria. Até o impossível era apenas uma questão de imaginar, então lá estava. Ela adorava sonhar.

Quem não gostaria de fazer tudo o que a mente é capaz de criar? Todo aquele potencial... Sim, ela adorava sonhar.

Sua maior desgraça era despertar. Deixar os sonhos para viver o mundo, esse mundo grande e tolo ao qual tudo era tão difícil. Onde impossível podia ser até mesmo uma impossibilidade física. Havia limites. Oh, ela odiava ver seu poder de criação limitado por outros. Como odiava acordar! Ela só queria continuar sonhando... Até o dia em que a realidade fosse algo distante.

Com esse objetivo passou a dormir mais e mais. Mas então, acordava de madrugada, absolutamente desperta e não podia dormir. Se sentia oca, não podia lembrar o que sonhara. Não podia criar um novo sonho. E sentia o desespero se avolumar em seu íntimo. Por quê? Por que acordava? Será que seu organismo não percebia que tudo que queria fazer era permanecer dormindo? Ficar para sempre nesse estado de glória absoluta? Não entendia que aquela era a única 'realidade' que queria?

Era sempre assim. Desejando impossibilidades, almejando o impossível. Até que o pensamento surgiu. E se a realidade foi criada através de um sonho? E se em uma das suas criações, quando estava tão aborrecida com tamanha liberdade, com tamanho poder de criação, criou então uma liberdade onde não houvesse tanta liberdade? Uma realidade para viver, para realizar, e os espaços de sono, de repouso, para sonhar? Para talvez então poder dar um novo significado ao sonho, quem sabe? Um novo valor, algo do que pudesse sentir falta... Um novo respeito pelo poder de criar.

As ideias se avolumaram e se confundiram dentro dela, até que não tinha certeza se sonhava, se pensava, se vivia ou se a loucura havia finalmente dominado sua mente em estado de constante caos.

E então aceitou. A realidade era o sonho vivido, e o sono vinha trazer o sonho criado. E ela começou a desdobrar oportunidades. Tecendo sentimentos. Criando realidades... Zombando do impossível.