Hora de morrer

Os estilhaços de metal se aproximam dos meus órgãos vitais. Dizem os médicos que não há cirurgia que de cabo. É questão de tempo. Me liberaram do hospital. Foram sinceros: talvez duas, três semanas. Chegará o momento em que a hemorragia interna me causará um grande cansaço e a fraqueza me fará dormir. Então não acordarei mais.

Já se passaram dois dias que estou livre da máquina, fiquei meio abobado, certas horas o pavor me toma, em outras minha calma me apavora mais ainda. Penso em tudo que já li sobre os momentos que precedem à morte e na morte das pessoas que amei. Como deram conta dessa sensação tão intensa, tão cruel?

Não disse nada a ninguém. Piedade não me caberia, nem sonhos mágicos, esperanças vãs, desejo de milagres. Foram anos bem vividos e zilhões de experiências instantâneas. Talvez cada vez que respirei nessa vida. Agora mais ainda, cada vez que o ar me falta e o desespero me encontra. Cada minuto que passa e percebo o que todos deveríamos saber: os minutos, as horas, os dias... Ah! Não voltarão.

Inicia a madrugada do terceiro dia. Não posso dormir, não quero dormir. Tenho pressa de algo que ainda não sei. Parece uma piada que eu não entendi e num momento vou dar tanta risada que vou chorar de rir até mijar na roupa.

Confesso que penso nas cagadas que fiz na vida e nas coisas boas que vivi. Fico comparando, tentando por numa balança viciada o que rendeu mais, pendendo pro meu lado. Que egoísta!

As dores virão em prenuncio, ou seja. Saberei dias antes a hora exata. Isso é assustador!

E ninguém saberá. Será silenciosa a hora de morrer, aos teus olhos. E eu sorrirei. Não sei bem porque e nem se será assim. Mas minha idéia é essa. Sorrir, uma última vez. Fechar meus olhos para um sono bom. E esperar os sonhos que virão.