Conto, conto por conto!
Contei, há poucos dias, em crônica intitulada O Colocador de Pronomes, o dissabor de Aldrovando Cantagalo em sua ingente e incessante luta contra as agressões à língua portuguesa.
Segundo Monteiro Lobato, autor do conto O Colocador de Pronomes, título usurpado por mim, em crônica de 15.12.2011, o personagem Aldrovando Cantagalo teria nascido em virtude de um erro de gramática. Em bilhete enviado à Laurinha, filha do coronel Triburtino, cuja beleza contrastava com a feiura da irmã, Maria do Carmo, manca a amalucada, o namorado escreveu: "amo-lhe". O coronel interceptou a mensagem, interpretando-a como endereçada à filha deficiente, pois, do contrário, o autor teria escrito: "amo-te".
Do casamento forçado (o noivo não ousou contrariar a decisão do futuro sogro), nasceu Aldrovando. Sua morte também decorreu de um erro gramatical. Ao amigo frei Luiz de Souza, o conceituado gramático dedicou uma de suas obras, em que dizia: "À memória daquele que me sabe as dores". O editor, inexplicavelmente, alterou a dedicatória, reescrevendo-a: "À memória daquele QUE SABE-ME as dores". Aldrovando não resistiu à desobediência à atração pronominal exigida pelo pronome relativo "que".
Hoje, deixo de lado a crítica aos agressores do bom português, transferindo-a aos que, por falta de educação, cometem grosserias com pessoas de seu convívio. Ou fora dele. Para ilustrar essa ausência de boas maneiras, narro duas histórias interessantes. Eis a primeira: Emanuel, estudante de medicina, foi submetido a exame oral de proficiência na faculdade em que estudava. O professor, um sujeito arrogante, perguntou-lhe:
– Quantos rins nós temos?
– Quatro! – respondeu em cima da bucha.
– Quatro? – estranhou o examinador.
Disposto a humilhar o estudante, o mestre solicitou a um funcionário que se encontrava a certa distância:
– Traga um feixe de capim para esse burro!
O jovem, sem manifestar qualquer alteração, disse para o bedel:
– E para mim, um cafezinho!
O silêncio foi quebrado por intermináveis risadas. Furioso, o professor expulsou o aluno da classe. Antes, porém, ouviu-lhe as explicações:
– O senhor perguntou-me quantos rins nós temos. Quatro! Respondi, recorrendo à aritmética: dois meus e dois seus, ora! Tenha bom apetite e delicie-se com o suculento capim – concluiu Emanuel, acenando para os colegas, enquanto deixava o recinto.
Esse caso lembra outro fato, também ocorrido em sala de aula. Antigamente, os exames eram realizados assim: O mestre sentava-se em frente ao aluno e fazia-lhe diversas perguntas. Alguns discípulos, pouco afeitos aos estudos, às vezes nada respondiam. E quando o faziam, erravam mais do que acertavam.
Certo pupilo foi submetido à prova oral de conhecimentos gerais. Por não haver estudado convenientemente, permanecia calado. A cada indagação do mestre, baixava a cabeça, mudo, mexendo na gravata que trajava, a qual estampava a figura de um belo cavalo. O professor, irritado, perguntou-lhe:
– É sua foto?
– Não, professor, é um espelho – respondeu o garoto que, de burro, não tinha nada. Era apenas preguiçoso.
A história seguinte, se não reflete a falta de educação do protagonista, demonstra outro sentimento: a calma. Ou a ausência dela. Mantida a serenidade, as coisas poderão ser vistas por um prisma diferente.
Tarcísio, contador com escritório próximo à farmácia de seu Avelino, certa vez adentrou o estabelecimento comercial do vizinho, aos gritos:
– Rápido! Quero um remédio eficiente para diarreia. Urgente! – bradou apertando os joelhos um contra o outro, para safar-se, provisoriamente, do pior.
Seu Avelino, apressado ao extremo de suas possibilidades, apanhou na prateleira um vidro de medicamento que supunha ser o ideal para resolver o problema do amigo. Entregou-o a Tarcísio que, angustiado, abriu-o ali mesmo, ingerindo parte do líquido viscoso, retirando-se em seguida, para aliviar o intestino, prestes a explodir. Passados alguns minutos, o enfermo retornou ao estabelecimento farmacêutico e ouviu do proprietário um pedido de desculpas:
– Perdão, senhor Tarcísio! Mil desculpas! Enganei-me. Dei-lhe um calmante, em vez de um constipante, para diminuir o trânsito intestinal e, consequentemente, a retenção das fezes. Como o senhor está se sentindo?
Tarcísio respondeu meio sonolento:
– Tranquilo, mas todo cagado.
As histórias encerram duas lições: primeira: não devemos subestimar o próximo; segunda: a pressa é mesmo inimiga da perfeição.