RETRATO DE FAMÍLIA #14

Conviver com um tio-avô de criação sob o mesmo teto nos custava. O elemento erudito do dito cujo era uma prisão de ventre estampada no bronze da cara. Ninguém topava com ele. Usava sempre o passado para nos condenar: não importava a época. As músicas dos nossos momentos sempre eram barulhos aleatórios e irritantes. A programação da TV era lixo ambulante. Ninguém jogava bola feito os de antigamente. A comida era melhor: a saúde era melhor: o amor era melhor. Tudo antes, tudo antes, tudo antes... Não havia violência, não havia ignorância, não havia desrespeito: o homem estendia o chapéu para saudar a dama, a dama se cobria dos pés aos punhos, e a idiossincrasia se arrastava para debaixo do tapete...

Agarrado na tuberculose o tio-avô esquivou-se da vida embora nunca tivesse tossido um sopro sequer mas abandonava as obrigações tornava-se dependente da gente ocupou com anti-humor todos os cômodos usou como quis o passado perfeito e nos estrangular a liberdade dentro de casa para jogar na cara da gente que o tempo da gente era ruim de viver e perturbou a única oportunidade que tivemos à juventude e ficou doente entulhado em um hospital do qual nunca mais voltou até o dia do velório que ocorreu quando o sufoco passou pois jamais nos deixava a casa de fato.

Mamãe estendeu a toalha de mesa dobrada há décadas. Enfim, uma família feliz. Ninguém reclamaria das novas receitas nunca mais. O jantar estava uma delícia.

Definitivamente, não se faz mais tanta falta quanto antigamente.