Trabalho de Parto
Fátima Irene Pinto
 
Entrar em trabalho de parto não é uma prerrogativa apenas das grávidas porque a nossa vida e o nosso destino também entram em trabalho de parto.
Chegamos todos numa determinada fase em que sentimos a iminência de uma grande transformação e então começam as "contrações'. E como dóem! Como são insuportavelmente demorados e exaustivos esses partos!
Sabemos que do jeito que está não pode mais ficar. Há algo dentro de nós precisando nascer e no entanto ainda não há abertura que permita vislumbrar o que está por vir. Situa-se no imponderável.
As dores, as contrações da alma, sinalizam que teremos que deixar para trás todo um modo de vida para que outro possa se manifestar a fim de arrancar-nos da estagnação e do marasmo improdutivos, causadores de  ansiedade, inquietação e tristeza.
Todo o nosso ser pede por uma mudança que nos devolva a sensação de progresso retomado, de novas experiências, de novos aprendizados. Queremos sentir de novo aquela gana de viver. Queremos de volta o entusiasmo pela vida, queremos respirar outros ares. Não dá para determinar: até aqui a minha vida foi assim e daqui para frente vai ser assado. Os anseios de nosso espírito estão quase sempre em descompasso com o rítmo da vida que não se verga aos nossos clamores.
Seria tão bom se para cada porta que se fechasse após cumprir seu ciclo, uma outra já estivesse entreaberta, dando ao menos algumas pistas das experiências vindouras para que nos preparássemos devidamente. Mas a vida não funciona assim, infelizmente. Entre a porta que se fecha e a que vai se abrir faz-se um limbo, um breu, uma incógnita, um ponto de interrogação e nada podemos fazer a não ser esperar pacientemente.
Quantas vezes já estivemos em trabalho de parto entre uma atividade e outra, entre um amor e outro, entre uma casa e outra, entre uma cidade e outra, entre um ideal e outro?
Mas o que dói realmente é o "intermezzo", é aquele vácuo do não saber, é o não conseguir ver as coisas com clareza para poder decidir, é ficar sem sonhos e sem expectativas, é o dizer como Drummond: e agora, José?
Quando se é jovem suporta-se melhor esses partos trabalhosos, afinal tem-se a impressão de ter a vida pela frente ... mas e quando aparece uma crise dessas quando achávamos que não teríamos mais nenhuma e quando o tempo já não é mais nosso aliado mas inimigo velado, teimando em nos mostrar portas pouco promissoras?
Mas de qualquer forma, não há bem que sempre dure nem mal que não se acabe.
Que saibamos suportar com paciência esse tempo de espera (e doloroso parto) acreditando na nossa boa estrela, na nossa capacidade de ressurgir das cinzas para abraçar um novo sonho, forte o bastante para aliviar os gritos que vêm lá de dentro sinalizando que os tempos são outros, que há novos aprendizados pela frente e que eles nos ajudarão a galgar alguns degraus a mais na rota da nossa existência.
Se me pedissem uma definição de limbo, purgatório ou umbral eu diria que é aquilo que sentimos quando deixamos de sonhar ou quando a seiva do entusiasmo e da motivação deixa de circular em nossas veias.
Viver sem sonhos é namorar antecipadamente a sepultura.
 
Descalvado - SP
14.01.2012

Fátima Irene Pinto
Enviado por Fátima Irene Pinto em 15/01/2012
Reeditado em 15/01/2012
Código do texto: T3441575
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