FELIZ ANO NOVO

Da primeira vez que escrevi sobre o ano novo, em gesto escondido intitulei o texto de Ano-bom. Talvez por querer imitar a expressão depois de ler Missa do galo, de Machado de Assis. Ou menos que isso: a frase pronta. Depois o nome me foi escapando e no lugar ficou o ano simplesmente. Sem o novo, sem o bom, e de tal maneira lembrado, em presença de simpatias e talismãs, realismo pessimista e estereotipado, me encontro do lado de quem se dispõe à felicidade, embora ilusória e passageira.

Felicidade. Bliss é o livro de Katherine Mansfield, a meteórica escritora que, no processo de epifania a fazer Virgínia Woolf “invejá-la”, deu ao nome um sentido extravasado da palavra. Este extravasamento agora me possibilita a passagem do ano sem a síndrome do incompreendido, sem palavras proféticas. Não por nunca ser capaz de tanto (e de fato não o sou), mas por um desejo de permitir mais um ano com seus pretéritos e / ou ufanismos, desde que a vibração seja para recuperar a ternura esmagada nas obrigações do cotidiano.

Há muito quis me abster de comprar presentes, porque o comércio “quer faturar”, e quis me afastar de crendices e superstições. Mas se o presente nunca foi comprado durante o ano? E se a folha de louro na carteira me fizesse tão fantasioso a ponto de não levar a vida tão a sério, quando o “a sério” resultou, não raro, em fadiga e penumbra? Vamos abandonar a cultura do consumismo, porque nas datas comemorativas birramos em não nos ritualizar? E se os rituais puderem me integrar aos meus, porque ganhei o precioso recesso e o décimo terceiro? Simplismo? Ingenuidade? Imediatismo?Durante o ano não me justifiquei muitas vezes no cumprimento de horários, de compromissos nada singulares e afetivos? Não passei o ano cumprindo alguma coisa, fazendo de meu alcance uma instituição? O que fez de mim um revolucionário das ternuras perdidas? E se tudo isso que digo falhou na defesa pela confusão de causa e de efeito? E se eu estivesse querendo atingir causa e efeito, estaria agora mais fraterno, engajado em causas maiores como visitas e abraços antes adiados?...

Vivemos a cultura do “se” o do “porque”. No momento quero esquecer as verdades e ficar com alguma alegria, enquanto não for capaz de me alcançar nas próprias defesas. Por enquanto, se me defendo ou perco a partida, estou me acusando. Se alguém agora prova minha falta de fundamento, identifica lacunas, fragilidades, em algum instante tão antigo, preferiu sentir-se sozinho e de algum modo traiu o próximo. É que quando quero inovar abandono meus amores. Quando estou certo demais estou provando do meu egoísmo e da minha solidão. Quando tento mostrar uma “verdadeira felicidade”, estou querendo uma Woolf para invejar-me, embora o meu Bliss não carregue o realismo humano de uma Mansfield. De qualquer forma, quis imitar alguém e ter destaque, o que não é nada grandioso. Quando digo que não é bem assim, posso desprezar um coração, seja de um bobo que, na falta de um nome para o iminente ano novo, uniu os amigos para o churrasco no fundo do quintal, para o amigo secreto e para a distribuição de presentes.

Agora não quero mais intitular. O ano simplesmente cabe em cada um. No gole indiscreto ou na cisma lapidada esperarei uma resposta sem pergunta. Com ou sem isso ou aquilo: No fechar dos olhos, no doce engano, o feliz ano novo

G Monteiro
Enviado por G Monteiro em 03/01/2012
Reeditado em 22/01/2012
Código do texto: T3420144