QUERO MINHA “BOLSA RESPEITO”!
 
Ser desrespeitado do nascimento
até a morte é a sina dos brasileiros
 
   Vivemos a era das “bolsas” – a era dos programas sociais que, por pura política ou até por boa intenção, oficialmente visam melhorar as condições de vida da população mais pobre. Se, por um lado, esses programas têm levado a algumas mudanças na sociedade, por outro o tão decantado “fim da miséria” soa mais como propaganda do que como verdade. Porém, se esse é o caminho tomado pelos governos para ajudar a quem precisa, que tal criarmos a “Bolsa Respeito” ou o “Vale Compaixão”.
   Porque não é só da mixaria que o governo coloca na mão do povo pobre todo mês que vive o cidadão. Isso de nada adianta quando uma concessionária de serviço público, impiedosamente, corta a energia elétrica de alguém que atrasou sua conta em 15 dias – justo a energia, sem a qual não há vida civilizada no século 21. Viver a luz de velas, sem geladeira, sem o direito a um banho quente, equivale a voltar à barbárie – e há milhões de brasileiros que nem chegaram a ter energia elétrica em suas casas até hoje.
   Os governos, com o advento do neoliberalismo, resolveram privatizar ou ceder todo o tipo de serviços públicos, deixando-os na mão de empresas e empresários que, via de regra, não têm alma, não têm compaixão. É assim na energia, na telefonia, nos transportes e hoje até serviços de saúde já estão sendo entregues a empresas privadas. Os que antes criticaram os autores das privatizações, chegaram ao poder e não mexeram uma palha para mudar ou aperfeiçoar o sistema.
   Durante décadas, as empresas de energia toleraram os “gatos” nas favelas, em “respeito” aos traficantes, Ainda hoje, preferem cortar a luz de quem está em atraso do que de quem está furtando energia. Não toleram 15 dias de atraso por parte de um cidadão comum, que não é protegido pelas agências reguladoras, pela lei, nem pelos “fora da lei”. Simplesmente, vão lá e cortam. Isso quando os problemas não são apagões, falta de manutenção, péssimo serviço, etc.
   Na telefonia, com a desculpa de que haveria maior oferta (o que de fato ocorreu, com a colaboração dos avanços tecnológicos crescentes) permitiu-se uma verdadeira farra – cobranças indevidas, planos de fidelidade que algemam o usuário, telefones públicos abandonados (afinal, por que consertar um orelhão se você ganha mais dinheiro vendo celulares?), enfim, todo o tipo de abuso. A Anatel é um cabide de empregos, disfarçado de vaca de presépio – nada faz, nada regula – como de resto o são as diversas agências reguladoras nos vários níveis de governo.
   Mas se você quer ver o quanto faz falta uma “Bolsa Respeito”, levante cedo e vá para o ponto ou estação mais próximos tentar pegar um ônibus, trem metrô ou barca, para ir ao trabalho ou à escola. Pior, tente voltar para a casa, dependendo desses transportes. Milhões de pessoas são massacradas diariamente, repetidamente – como se fosse gado ou se estivessem indo para um campo de concentração. No Rio, tudo funciona mal, e a julgar por reportagens nas TVs, em todo o país a situação não é diferente.
   Dizem que não há coisa pior do que a morte, mas eu duvido. Ser desrespeitado desde o momento em que se nasce até a morte, como se um sistema de castas não declarado fizesse de você um cidadão de quinta classe (não é isso que “classe E” quer dizer?) é muito pior. A humilhação e o desprezo, transformando pessoas em estatísticas que sempre são distorcidas a favor dos governos, são as armas de um crime perpétuo, que não há lei que evite, não há Deus que salve.
   Os governos se eximem da responsabilidade sobre serviços essenciais, deixando a fiscalização com agências (ligadas aos governos, mas que funcionam de forma “independente”). Se é para isso, de que servem os governos? Para cobrar impostos? Para dar emprego a políticos e poder a partidos? Se não respeitam nem mesmo aqueles que os elegem, para que o voto? Contra as ditaduras do pensamento, da politicagem e da negligência, não há defensores dos direitos humanos.
   Ninguém, em sã consciência, pode duvidar que a democracia é ainda o melhor sistema de governo, mas quem acabará com essas “pequenas” ditaduras que sobrevivem e ganham força em meio a ela? Quem irá aperfeiçoar o sistema democrático e os governos com a criação de uma “Bolsa Respeito”, à qual todo o qualquer cidadão terá direito? É claro que, se alguém um dia tomar essa medida, irá enfrentar problemas com as enormes filas (outro ícone do desrespeito) de cidadãos querendo receber ...