Trajetória

O cérebro esfacelado, após o projétil que adentrara o crânio. Menos de um segundo ceifando sua vida. Antes da bala vazar a fronte, o corpo estava ereto. Ouvira o estrondo distante, o disparo de um gatilho desconhecido, tendo o tiro um fim certo. Foram passos lentos na faixa de pedestre. Depois de pacientemente aguardar o semáforo fechar. A mente divagava sobre conflitos familiares, o sabor do sorvete que tomara algumas quadras antes. Parara no trailer, pedindo um sabor convencional, o importante era refrescar, o dia estava quente, ou melhor o clima. O dia era insoso, no máximo, esperançoso. Assim esperara o golpe certeiro.

Na calçada, avistara uma banca de jornais, os olhos correram as páginas de revistas expostas, figuras diversas, misturadas, mulheres nuas, personagens de jogos, políticos com sorrisos fabricados. A visão anteriormente cruzara com os olhos de uma bela pedestre, pareciam ter marcado aquele encontro ocular. Mas o flerte foi passageiro como os passos rápidos de quem enfrente o trânsito de pessoas. Um breve susto a quase presenciar o atropelamento de um cão, pequenino, de cor preta. O animalzinho desviara no último instante, o motorista não desviara nem um milímetro, um lutando pela vida e ou outro pouco se importando com ela.

O céu estava ensolarado, algumas pessoas comentavam ser um belo dia. Como a impressão pode mudar a estética diurna, basta uma tragédia ou felicidade, o chuvoso fica feliz e o ensolarado triste. Crianças brincavam na praça, um menino colocava areia na boca. A mãe conversava distraída em um banco a poucos metros. Cumprimentara o porteiro, que narrou os acontecimentos esportivos daquela manhã. No elevador, observara a mudança de cores nos botões que indicavam os andares. Pensei sobre a possibilidade de pane. Talvez se ficasse preso no elevador, ainda estaria vivo.

Passara pelo corredor sem encontrar nenhum dos vizinhos, fechara a porta depois de beijar a esposa, que me desejara um bom dia de trabalho, dizendo que aguardaria ansiosa eu retorno. É triste tê-la frustrado. Apenas um copo de água e um biscoito, pois saíra com pressa. O banho havia sido mais demorado, a água morna relaxara o corpo, após uma noite de sono, escovando os dentes embaixo do chuveiro. A roupa escolhida era corriqueira, sapato engraxado, meias de algodão, calça social, cinto com fivela em destaque, camisa de algodão. Os pelos se insinuava, mas adiei fazer a barba, imaginando que mais tarde faria. Se soubesse que os vermes iriam fazer o trabalho por mim.

Acordara desanimado, pela noite agradável da véspera. Tentara me recordar de algum sonho, mas não obtive êxito. Maritacas enlouquecidas, gritavam próximo a janela do quarto. O desejo era permanecer deitado, com aquele pijama surrado. Mas tive a infelicidade de acordar para o mundo, colocar os pés no solo, me despedir de minha esposa, sair de casa, ganhar as ruas, ter relações com as pessoas e morrer durante o percurso.