PREPARANDO-ME PARA (...) !
“A vaidade dos bens terrestres.
Só Deus salva da morte”
Salmo 49
Após o culto de oração que freqüento, assiduamente, todas as manhãs, telefonei para uma das secretárias de minha ex esposa para pedir-lhe que, se fosse possível, efetuasse alguns pagamentos para mim na Caixa Econômica Federal. Ela informou-me que, naquele momento, não poderia sair, pois ainda havia clientes a serem atendidos e, por esse motivo, não poderia ausentar-se do consultório. Então, respondi-lhe que telefonaria mais tarde.
Em seguida, dirigi-me à Clínica de Fisioterapia de Dr. Eduardo Laender, onde, todos os dias, submeto-me a sessões de exercícios e eletroestímulos para tratamento de artrose em meu joelho direito. Ao término da fisioterapia, liguei novamente para a mesma secretária. Entretanto, por coincidência ou não, novamente minha solicitação não obteve êxito: a resposta foi semelhante à anterior. Resolvi, então, dirigir-me à Caixa Econômica que fica localizada no Bairro Guandu para tirar um extrato de minha conta corrente e verificar se o pagamento de minha aposentadoria havia sido depositado.
Infelizmente, pude observar que ainda não constava do extrato aquele depósito pelo qual eu aguardava. Procurei um funcionário e, após ele verificar o documento bancário, lembrou-me que, possivelmente, em virtude do feriado naquele período e pelo fato do meu pagamento ser feito no quinto dia último de cada mês, só no dia seguinte estaria em minha conta o depósito da minha aposentadoria. Naquele instante, imaginei o seguinte: - Já que estou aqui, vou tentar fazer os pagamentos que devem ser feitos hoje. Sem nenhum constrangimento, entrei na fila reservada aos idosos, na esperança de que logo seria atendido.
Após aguardar mais ou menos durante uma hora e observar, um tanto perplexo, pessoas “furando” a fila, pude observar que justamente aqueles que, devido à idade, deveriam dar o exemplo, nem ao menos se importavam com o fato e, tranqüilamente, infringiam o regulamento. Naquele momento, passou um verdadeiro filme em minha memória.
Por motivos óbvios, até aquela data, jamais tive de enfrentar fila de banco para fazer qualquer tipo de pagamento. Iniciei minha carreira muito jovem ao lado do meu pai, no laboratório de análises clínicas do qual ele era um dos sócios. Já naquela época, tínhamos vários funcionários, e entre eles alguns que realizavam serviços externos, como pagamentos e depósitos em bancos, por exemplo. Ao comprar meu próprio laboratório, continuei no mesmo esquema sem precisar ir a bancos, nem mesmo para saber meu saldo. Naqueles tempos, quando ainda não éramos beneficiados pela informática, apenas mandava um bilhete solicitado qualquer informação e os funcionários dos estabelecimentos bancários onde mantínhamos movimento financeiro me enviavam respostas às minhas solicitações.
Após eu ter-me aposentado, ainda continuei trabalhando por algum tempo. Mais tarde, afastei-me de minhas atividades. Porém, sempre dava um jeito para não enfrentar filas. Entretanto, naquela manhã de primavera, vários fatos contribuíram para que eu não tivesse a mesma sorte que, por muito tempo, tive. De repente, vi-me pela primeira vez durante toda a minha vida ali, naquela fila imensa, onde pude perceber que não só as pessoas de classe média tentam um “jeitinho” para tirar vantagem em todos os momentos oportunos. Vi pessoas que estavam naquele estabelecimento bancário simplesmente para receberem os seus proventos do INSS tentando passar à frente dos demais.
Confesso que, por causa da rigidez e da educação com que fui criado, tudo aquilo me trouxe um grande desconforto. Inesperadamente, um sentimento de perda muito grande, uma sensação estranha de derrota invadiu todo o meu ser. O fato de sempre ter alguém para fazer meus pagamentos, e resolver certos problemas que eu considerava de menor relevância, trouxe-me uma imensa sensação de impotência. Confesso que aquele sentimento que se apossou de mim naquele instante não foi orgulho, nem vaidade, mesmo porque, até com meu joelho acusando certo incômodo, permaneci na fila aguardando minha vez durante o tempo necessário. Entretanto, confesso: senti-me em verdadeira decadência, o que me fez até pensar em que ponto eu havia errado para, naquele momento, ter a necessidade de estar enfrentando aquela situação que, para mim, era inédita.
Vários pensamentos de derrota vieram à minha mente tentando provocar em mim um descontentamento pela situação por que eu estava passando naquele momento. Procurei manter-me firme. Sabia que não poderia perder o bom humor. Mais do que nunca, eu estava precisando dele naquele momento. Entretanto, confesso: aquela situação nova quase me causa uma tristeza muito grande. Parecia que eu estava sendo derrotado por algo que não conseguia sequer identificar. Achei que, para mim, meus dias de vitória haviam chegando ao fim.
Naquele momento, comecei a imaginar como gostaria que fossem meus momentos finais. Cheguei até a pensar na possibilidade de acostumar-me com meus momentos de solidão. Senti que chegara a hora de preparar-me para que eu não tivesse nenhuma surpresa em meus momentos finais. Naquela hora, surgiu em minha mente como eu gostaria que fosse minha partida. Confesso que, tempos atrás, eu havia dito que apenas os meus filhos que demonstrassem o desejo de estar a meu lado pelo menos “naquela hora” é que seriam bem-vindos.
Entretanto, hoje, após aprender um pouco mais sobre o amor de Jesus, e também sobre humildade, penso que, depois que meu espírito subir, não fará nenhuma diferença a presença daqueles que, durante meus dias aqui na Terra, tenham usado de tanto fingimento e hipocrisia para comigo. Em verdade, naqueles momentos finais, minha alma já estará bem distante de tudo e de todos. Apenas a matéria perecível que usei durante alguns anos estará ali na pedra fria, inanimada, imune e indiferente a falsidades. Não gostaria que ninguém chorasse por mim. Estou disposto até a perdoar todas as traições, todas as falsidades, todos aqueles que me tiraram quase todos os bens materiais que consegui com muito trabalho desde minha adolescência e até aqueles que fingiram amizade e amor para comigo.
Gostaria apenas também de ser perdoado por todos aqueles a quem, por algum motivo, eu tenha feito algum mal. Quero estar com minha consciência tranqüila, de tal modo que eu possa sorrir sinceramente para quem estiver a meu lado, seja quem for. Também apenas apertarei a mão de quem estiver mais próximo e pedirei a Deus que o abençoe e a todos os meus algozes. Ah, quase ia esquecendo: não gostaria jamais que me aplaudissem no final da cerimônia de minha despedida. Para mim, já me sinto gratificado em saber que alguns de meus escritos tenham contribuído para a paz e o conforto de algumas pessoas.
Com muita paz, aceitaria com alegria a vontade de Deus, pois eu me entregaria totalmente em suas mãos e, finalmente, deixaria meu espírito voar tranqüilo e solitariamente para a eternidade, como sempre foi aqui na Terra, consciente de ter cumprido minha missão e me reconciliado com meu Salvador.