Entre dois mundos

 
     “Meu Deus quanto mais eu rezo, mais louco me aparece!” Quem nunca ouviu essa expressão? Eu particularmente já a usei algumas vezes e até de forma carinhosa para zoar com alguns amigos. Mas, a verdade é que o tema “loucura” sempre me deixou curiosa. Sempre quis compreender o motivo de algumas pessoas terem problemas psiquiátricos. Pessoas que sempre tiveram uma boa saúde mental e que de repente parece que atravessam a ponte entre o mundo real e o mundo da insanidade. E sempre me perguntei se qualquer um de nós, inclusive até eu mesma, não poderia um dia vir a cruzar essa ponte.
     Acredito que a minha curiosidade a respeito do assunto tenha a sua origem na minha infância, pelo fato de ter tido sempre contato com pessoas que passaram a viver nesse estranho mundo. Quando bem pequenina conheci a Luiza Catambilha (inclusive Ângela Gurgel já escreveu uma crônica intitulada "o estranho mundo de Luiza"). O que pouco me lembro de Luiza é que era uma mulher aparentemente bela, com pernas bem torneadas, se vestia com roupas coloridas, sempre combinadas de forma esquisita, mas que apesar de tudo tinha um ar de elegância. A figura de Luiza me fazia querer desvendar os mistérios escondidos naquela figura estranha. Quando a vi pela primeira vez logo me cochicharam que ela não regulava muito bem da cabeça.Ficou doente após o seu marido ter partido levando o seu único filho.Depois de Luiza pude conviver com uma amiga da minha mãe, vizinha nossa, que de inicio era uma mulher normal, casada, 4 filhos. Pude acompanhar a sua "passagem pela ponte". Seu marido começara um caso com uma colega de trabalho e por este fato deu-se inicio os maus tratos com a esposa. Presenciei seus primeiros ataques de nervos, seus desabafos com a minha mãe. As vezes que se agarrava num abraço forte com a minha mãe, a ponto desta não conseguir se desvencilhar e se sentir sufocada. Era a sua forma de pedir socorro. Via a angústia nos seus olhos e no seu choro desesperado. Como criança tinha medo. Medo das suas atitudes, ou de que ela pudesse de alguma forma fazer algum mal a minha mãe. Mais hoje a minha tristeza maior é saber que apesar dos tratamentos, de seus internamentos na casa de saúde São Camilo de Lellis, ela não tenha conseguido cruzar a ponte de volta ao mundo real. Uma triste estória.
     Virando esta página, posso recordar ainda, daqueles que por natureza já nasceram assim. Lembro-me de “Tantan”. Vê-lo nas ruas era para nós crianças, motivo de alegria. Conhecem o personagem Nérson da Capitinga? Aparentemente bem parecido com ele, “bermuda lá nos peitos”, como falamos por aqui, ar abestalhado, que só de olhá-lo já era motivo de riso. Porém existem também aqueles que pelo vício da cachaça são taxados de loucos. Era o caso do “ Antônio doido”. Sempre era possível cruzar com ele no meio da rua nos seus ataques de loucura, cambaleando e gritando sei lá o quê. E o espetáculo se completava quando a mãe surgia em busca do filho desgarrado. Uma mulher baixinha, franzina, “Maria da volta”. Essa “rodava” até conseguir levar o filho de volta pra casa.
     Deixando a infância de lado, na minha juventude essas figuras também se fizeram presentes. Foi nessa fase da minha vida que constatei que eu tinha algo, que de certa forma atraia essas pessoas. Um tio de uma amiga minha que costumava conversar com as paredes, percebendo a minha presença, deixava de lado o seu colóquio com o ser inanimado para se dirigir a minha pessoa com as suas conversas sem nexo. Quando mudei para Minas, no grupo de oração que eu freqüentava tinha um senhor em situação parecida. Esse só queria sentar ao meu lado e na hora da vinda para casa me acompanhava uma boa parte do caminho. Talvez seja o fato de eu ser muito simpática ou afinidade de espírito, sei lá. Entretanto, também existiram aqueles que me perseguiram ferrenhamente, como no caso de um que me seguia na ida ao trabalho. Esse falava em extra-terrestres, desenhava naves espaciais no asfalto, discursava em frente a igreja. Porém, o seu assunto comigo era bem pior, dizia que era o demônio e que iria me pegar.
     Atualmente, moro em frente a uma dessas pessoas especiais. Quem passar pela minha rua vai ver um moço sentado numa cadeira dando tchau para todos que cruzam o seu caminho. Todos os carros que passam por aqui dão uma buzinada para ele. Bem, esse não me dá trabalho, é meu amigo. Eu só tenho que dá um tchauzinho para ele todas as vezes que cruzar o portão da minha casa.




*Dedicado a minha amiga Janira
imagem google***
Márcia Kaline Paula de Azevedo
Enviado por Márcia Kaline Paula de Azevedo em 29/10/2011
Reeditado em 13/01/2019
Código do texto: T3305694
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