Oportunidade perdida

Ultimamente, reuni todos os meus escritos, perfazendo quase duzentas crônicas, três pequenos romances e duas narrativas de viagens, enfeixando-os em seis livros, cujos títulos foram apropriados a cada gênero literário: política, economia, turismo, amenidades e ficção. Os temas políticos versam sobre a vida pregressa e atual dos parlamentares brasileiros, personagens que alimentam, com seus desmandos, desairosos comentários.

A iniciativa de publicá-los visou divulgá-los entre os amigos que eventualmente me leem. Estão, pois, a disposição dos estimados leitores, os seguintes títulos: Opróbio Político, Amenidades, Umas e Outras, Os Desajustados, Périplo de um Turista Tupiniquim e, finalmente, Caçoada. Esse último contém os textos mais recentes. São estórias humoradas, inspiradas no dia a dia de todos nós.

Sempre que me falta assunto para trazer a lume notícias de interesse político, social ou econômico, costumo produzir estórias de humor, intencionando alegrar o leitor e tirar-me do ostracismo literário. Hoje, para não ser diferente, conto a história de Gaudério, gaúcho de quatro costados, nascido em Alegrete, Rio Grande do Sul. Sua cidade natal fica localizada a Oeste do estado, a quinhentos e seis quilômetros da capital, Porto Alegre. Com setenta e nove mil habitantes, é lembrada em virtude da guerra de 1801, quando seus bravos filhos José Francisco Borges do Canto e Manuel dos Santos Pedroso conquistaram para a Coroa Portuguesa o território das Missões Jesuítas.

Durante a Revolução Farroupilha, de 1835 a 1845, Alegrete tornou-se a terceira cidade da República Rio-grandense. Em 22 de janeiro de 1857, foi elevada à categoria de cidade. Todos os anos, em 20 de setembro, comemora-se a Guerra dos Farrapos, outra denominação atribuída ao levante republicano contra o governo imperial do Brasil, e que originou a república de caráter separatista.

A cidade de Alegrete comemora a Revolução Farroupilha ou o Dia do Gaúcho com desfiles reunindo cerca de mil cavaleiros, de todas as localidades do Rio Grande do Sul. A economia do município baseia-se na agricultura e na pecuária, tendo o arroz, a soja, o milho e o trigo como principais produtos. Mais de quinhentas mil cabeças de gado bovino, e um número superior a 400 mil ovinos dão conta, respectivamente, de 15.000 litros de leite e de 900 toneladas de lã, anualmente. Alegrete ainda se orgulha dos filhos ilustres, Osvaldo Aranha, político, diplomata e estadista; João Saldanha, atuante e competente profissional na área futebolística; e Mário Quintana, um dos maiores poetas brasileiros.

Por não ser minha intenção discorrer sobre o conhecido evento da nossa história, nem de comentar a respeito de destacados gaúchos, limito-me a contar o que ocorreu a Gaudério. Nosso personagem, depois de contribuir para o desenvolvimento de sua região, mudou-se para o nordeste brasileiro, precisamente para o vale do São Francisco, por onde serpenteia o majestoso rio da unidade nacional. Ali, por iniciativa de bons técnicos agrícolas, e contando com a experiência de agricultores dispostos a implantar novas tecnologias, são produzidos uvas e excelentes vinhos. O fruto da vide é exportado para diversos países, enquanto o vinho é recomendado por sommelier de reconhecida competência.

Gaudério radicou-se em Petrolina, cidade vizinha a Juazeiro da Bahia. Gostou muito do calor forte do Sertão e da culinária regional, tendo, inclusive, trocado o churrasco pela buchada de bode, para ele uma iguaria que aconselha aos conterrâneos em visita a cidade adotada como sua. O gaúcho de Alegrete também aderiu às danças típicas da região. Trocou a chula pelo baião e por outros ritmos regionais. Riscou do seu vocabulário a palavra fandango, substituindo-a por forró. E nem mais usa a bombacha e o chapéu campeiro, este último trocado pelo chapéu de couro, típico do vaqueiro nordestino e usado por Lampião e seu bando.

Certa vez, Gaudério chegou apressado em casa. Estava atrasado para o forró localizado a boa distância de onde morava. Esbaforido, ordenou ao rapazola que tratava da cavalariça:

– Encilha rápido, um animal para mim. Qualquer um que seja veloz como o raio. Não posso perder o fandango, isto é, o forró de hoje. Tenho uma linda guria esperando por mim, e não quero perdê-la para algum matuto mais desinibido. Oxente! Que demora! – disse já acostumado à expressão nordestina. – O fandango começa daqui a pouco, tchê. Avi! – falou, misturando as expressões regionais sem se aperceber.

Gaudério montou e saiu às pressas. A galope. Nem sequer agradeceu ao piá. Tampouco, lembrou-se das vezes em que, bem paramentado à moda gaúcha, comparecia às festividades regionais no CTG de sua cidade. No caminho, deparou-se com o diabo. Em carne e osso. Satanás postou-se em frente ao animal, fazendo-o parar.

– Seu diabo, não me faça mal. Estou indo divertir-me no forró, ali adiante, e já estou atrasado. Garanto-lhe que não farei nada de bom, que possa decepcioná-lo. Se as gúrias derem moleza, aderirei ao pecado, incondicionalmente. Acredite e deixe-me passar. Estou vexado!

– Não lhe farei mal algum – disse o diabo. Pelo contrário, atenderei a três pedidos seus. Peça-os que o farei feliz, até o dia de nos encontrarmos lá –concluiu com estridente gargalhada.

– Sendo assim, lá vai: Quero ter um rosto bonito, corpo atlético, porte de galã de cinema... Da Rede Globo também serve. Gostaria que minha carteira de cédulas ficasse abarrotada de reais...

Satanás a tudo atendia. Bastavam-lhe pequenos gestos.

– Ih, seu diabo! Gostaria de me assemelhar a esse animal em que estou montado – disse Gaudério, puxando o cós das calças e olhando para o que vislumbrava com dificuldade.

– Isto é fácil, amigo. Divirta-se! – encerrou o diabo a série de “bondades” e desapareceu em seguida, sem sequer se despedir do apressado gaúcho, que já esporeava a montaria e seguia em desabalada carreira.

Ao chegar ao forró, Gaudério foi direto ao banheiro. Olhou-se no espelho, viu-se bonito, igualzinho a um artista de Hollywood. Abriu a carteira e quase não conseguiu fechá-la, abarrotada que estava de notas de cem reais. Riu satisfeito. Desafivelou o cinto e olhou para dentro da calça, tão ansioso quanto desesperado:

– Piá filho da p... Encilhou a égua. Vou enforcá-lo, guri! – gritou tanto quanto o fez outro personagem, de estória semelhante: A mocinha pedira a fada madrinha que transformasse seu gatinho em príncipe, esquecida de que castrara o bichinho.

Isso acontece!