ENTREGUE AS BARATAS

Meu amigo Carneirinho estava que era só tristeza. Bebendo uma estranha mistura de conhaque com licor de ovo que parecia uma receita diabólica, mas, pouco eficaz para quem estivesse pensando em suicídio, se é que era essa a intenção do meu amargurado amigo. Depois de uma ligeira avaliação, concluí que o inusitado coquetel, além da ressaca, poderia render no máximo uma tremenda dor de cabeça acompanhada de uma diarréia daquelas.

Puxei uma cadeira e sem pedir licença, sentei-me à sua mesa, imitado por outro amigo. Ariovaldo, vendedor de livros, psicólogo amador e conselheiro sentimental, que iria depender do seu estado etílico.

Eu ainda não havia entendido bem o motivo de tanta tristeza. Fiquei sabendo pelo próprio, que me poupou do constrangimento de perguntar.

Madalena acabou comigo. Você pode entender uma coisa dessas?

Balancei a cabeça negativamente, mas, está claro que eu entendia.

Carneirinho nem chegava perto do que se poderia chamar de um bom marido. Mulherengo, farrista, irresponsável e um porrista contumaz.

Bom amigo sim. Generoso e divertido, querido pelos companheiros de copo e colegas de trabalho. Mas, casado com ele, só Madalena.

Só Madalena aturava seus porres homéricos e fingia não saber das suas enumeras aventuras. Mas, como diria o poeta: O perdão também cansa de perdoar.

Cansada de tentar salvar o relacionamento, Madalena rompera os sagrados laços conjugais e (por falta de um eufemismo mais apropriado) deu-lhe um pé na bunda. Ariovaldo aproveitou para exercitar a sua arte de conselheiro. Péssimo conselheiro é bom que se diga.

-Você tem é que partir pra outra. O que não falta neste mundo é mulher... E foi por aí falando um absurdo atrás do outro.

Eu que havia bebido pouco, apenas um conhaque sem o abominável licor de ovo, que eu não sou tão solidário assim, discordei com veemência.

-Não entre nessa Carneirinho! Você me conhece e está sabendo que em matéria de dor de corno e pé na bunda, eu poderia escrever um tratado.

-Você não pode é passar recibo que está entregue as baratas, interveio Ariovaldo, que já estava bastante chumbado.

-Pode sim, pode e deve. A pior coisa que um homem pode fazer quando leva um pé é sair por aí pegando tudo que é doidivanas, só para mostrar aos amigos que não está por baixo. Ninguém vai acreditar.

-Meu querido amigo Carneirinho, permita que eu lhe diga, mas, você está entregue as baratas sim e se você está sofrendo, assuma. Ela precisa saber. Também se aconselha um porre, mas, um porre daqueles de parar no hospital, tomando glicose na veia e “os cambal”. Ela vai ficar sabendo e é bem possível, quem sabe talvez, venha sentir-se culpada e sofra também um pouquinho, de remorsos ou de pena. Seja como for, já é meio caminho para uma volta. Quanto ao perdão, vai depender do seu comportamento futuro. No momento, o que se pede, é exibir e sem nenhum pudor uma cara sofrida de corno recalcitrante. Tango argentino não. Está fora de moda. O mais apropriado seria, Eu sei que vou te Amar de Vinicius de Moraes com o Soneto da Fidelidade e tudo.

Infelizmente o nosso querido Carneirinho resolveu seguir os nefastos conselhos do Ariovaldo e uma semana depois, desfilava pelo Complexo da Cirrose com louras e falsas louras para mostrar que não estava mais entregue as baratas. Mas, estava... Madalena nunca mais voltou. Bem feito...