O FIM

Ela sempre estava ali, a elegante e bela senhora – apesar das rugas ostensivas dos seus quase noventa anos de vida -, no mesmo banco da pequena praça na hora sacra e solene do crepúsculo vespertino.

Chegava alegre e lentamente aconchegava-se trazendo indizível ternura no olhar.

O seu lugar preferido era sempre o mesmo, debaixo de frondosa árvore circundada por belos canteiros de floridos roseirais, onde havia também um pequeno espaço deserto coberto de areia, dando um perfil diferente, exótico e de certa solidão em meio ao cenário festivo dos acrobáticos passarinhos e das flores e arvoredos.

Ali ela se mantinha desde o arrebol até o sol ajoelhar-se no horizonte, dando adeus a mais um dia. Frequentemente pessoas de várias idades e de todos os níveis sociais lhe dirigiam a palavra e ela correspondia com esmero e invulgar cordialidade. Seu olhar parecia perder-se ora no infinito, ora na simplicidade natural do lugar. Era mesmo ali o local que escolhera para contatar-se com as pessoas e também para se deleitar no romantismo crepuscular, aprofundando-se em meditações da mais sublime introspecção.

Num certo dia, porém, aquela senhora de olhar claro e sorriso fácil, estranhamente ficou pouco tempo no seu lugar habitual. Após olhar docemente em tudo ao seu redor, fixou os olhos mais intensa e profundamente no pequeno espaço vazio de areia como a pressentir algo triste em sua vida, e decidiu ir para casa, alegando não estar sentindo-se muito bem e deixando transparecer comovente tristeza na palidez do semblante. Neste dia, em vista da situação desfavorável, uma das freqüentadoras do jardim a acompanhou até sua casa.

Após a saída da idosa senhora, o movimento corriqueiro do local não permaneceu o mesmo e no outro dia pela manhã, a cidade tomou conhecimento do seu súbito falecimento. Naquele dia nefasto, quando as últimas lanças coloridas do sol despediam-se da terra, no mesmo horário em que a idosa sempre se postava para o seu rito dial, apareceu misteriosamente no canteiro de areia, bem próximo ao banco onde ela costumeiramente ficava uma linda rosa púrpura, como se tivesse sido colocada por alguém em homenagem póstuma àquela que tantos exemplos de humildade e sentimentos solidários havia deixado. Nada mais havia sobre a areia que fazia lembrar dunas desertas e tristes, apenas a rosa sendo beijada em suas pétalas pelo vento e que ali ficou esquecida e postergada até seu perfume esvair-se na mesma proporção em que seus folíolos murchavam e morriam no melancólico final do crepúsculo, em que a bondosa senhora no dia anterior prenunciava o seu fim.

Antenor Rosalino
Enviado por Antenor Rosalino em 15/10/2011
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