Em busca do 1%
Como costuma dizer Lúcio Sant'Ana - diretor do jornal Tribuna Livre, "não sei por que Deus ainda insiste; a raça humana não deu certo". Há muitos anos costumamos conversar sobre este delicado tema, amparados nas incontáveis notícias cotidianas envolvendo as misérias e tragédias provocadas pelo ser humano.
Quando me preparava para escrever este texto, li no Facebook um post do colega jornalista e professor da FDV - José Mauro Souza Lima. Ele dizia: "quer um conselho para hoje? Não conte seus problemas para os outros. 70% não se importam e 30% adoram o fato de você tê-los". Logo abaixo, comentando o conselho, Anderson Meira (também colega professor da FDV) questionou: "não sobra nem 1%, não?".
Meu caro Anderson, sei que o conselho de Zé Mauro tem um tanto de verdade, mas também tem a força da retórica persuasiva tão presente na publicidade. Ele e você estão neste 1%, assim como Lúcio e, felizmente, muitas pessoas que tenho o prazer de ter como amigos. Obviamente, também me incluo aí, embora seja suspeito ao tecer tamanho elogio a mim mesmo.
A preocupação de Anderson em saber se há ao menos 1% de pessoas que se importam de verdade com o bem-estar e com a felicidade do outro é, de fato, crucial. Encontrar respostas para esta dúvida é manter acesa a chama da esperança de que um dia a humanidade possa encontrar a sua essência divina. Talvez aí, Lúcio, esteja o engenhoso plano de Deus. Certamente Ele sabe que o humano coletivo precisa muito mais do que algumas dezenas de milênios para construir um espírito comum.
Em Matrix - trilogia cinematográfica criada e dirigida pelos irmãos Wachowski - a redenção da humanidade, devastada e aprisionada pela inteligência artificial, está numa pequena comunidade de sobreviventes. No intrincado enredo, que vai se desenrolando ao longo dos três filmes, os humanos que carregam essa chama divina vivem em cavernas, num lugar chamado Sião. A ascensão deste mundo coberto por sombras depende da destruição da Matrix - o cérebro das máquinas e o fabricante das ilusões que mantêm cativos todos os humanos.
Essa trilogia, que já foi analisada por diversas óticas (inclusive, pela do Mito da Caverna, de Platão), pode ajudar a esclarecer a existência do 1% mencionado por Anderson Meira. Eu preciso acreditar que ele sempre existiu, que existe e que continuará existindo. É o necessário contraponto à constatação de que nas últimas décadas do milênio passado o ser humano chegou ao seu ponto máximo de egoísmo, voltando-se cada vez mais para seu próprio umbigo. O início do atual trouxe a desconfiança como ingrediente adicional.
Em casa, no trabalho, na escola, nas ruas, na TV, nos jornais, na internet, em todo lugar a "doença" se espalha e coloca cada um na condição de egoísta desconfiado. É claro que isto nem sempre se dá às claras e de forma rápida. O processo de se fechar numa concha às vezes é lento; as pessoas vão se retraindo e se escondendo até chegar ao estágio de se armarem à espera do primeiro ataque.
Meu esforço diário é para não sucumbir à tentação de pensar apenas em mim. É certo que também faço o que posso para me proteger; no entanto, tentando não trilhar pelos caminhos do egoísmo e da desconfiança. Qualquer reação neste sentido passa pelo aquecimento da auto-estima, pelo cultivo do amor-próprio e pelo exercício do altruísmo, da compaixão e da solidariedade.