ESPONJA
Fátima Irene Pinto
 
Ontem à noite o mundo pareceu-me mais triste.
Acho que, como esponja, sentí-me absorvendo todas as dores do mundo.
Sentí a dor do homem baleado no assalto, senti a fome das crianças da Nigéria, sentí a aflição do pai de família desempregado
e a aflição do paciente terminal.
 
Como pareceu-me triste o mundo ontem à noite!
Sentí a dor dos irreversivelmente excluídos, sentí o abatimento do paciente canceroso, sentí o desamparo do mendigo dormindo embaixo da ponte e a dor dos que não têm um lar para voltar.
 
Como pareceu-me triste o mundo ontem à noite!
Sentí-me na pele dos meninos e meninas de rua, sentí a dependência pungente dos filhos das drogas e do narcotráfico, ví rios de lágrimas e densas nuvens sobre as cracolândias e sentí-me desfalecer nas celas lotadas, imundas e sub-humanas onde recuperáveis e irrecuperáveis se misturam como bichos.
 
Como pareceu-me triste o mundo ontem à noite!
Sentí a saudade desmedida dos enlutados, o fundo do poço dos deprimidos e a dor dos que tombaram ao peso das próprias misérias.
Como pareceu-me triste o mundo ontem à noite!
 
Talvez eu tenha feito conexão com os filhos e filhas das guerras e das catástrofes naturais, desses que perderam tudo, desde o lar até os entes queridos, que zeraram tudo no placar, até mesmo a necessária força para recomeçar.
 
Doeu-me sobremaneira o choro de crianças jogadas no lixo, das mulheres que apanham e não denunciam por medo, dos anciãos maltratados em casa ou esquecidos nos asilos, dos confinados nos manicômios, dos invisíveis.
 
Doeu-me a dor dos pais achincalhados e aviltados por filhos ingratos e cruéis e doeu-me mais ainda pelos espinhos que eles próprios terão que colher,
já que não existe ação sem reação.
 
Como digo num poema antigo, reencontrei em cada segundo, todas as minhas mazelas e todas as mazelas do mundo. Como pareceu-me triste o mundo ontem à noite!
 
Gostaria de dar um final feliz à narrativa já que levei o leitor a uma viagem tão densa mas, diante do que eu senti ontem à noite,
somente uma frase de Jesus constituiu-se meu lenitivo:
"Bem aventurados os que choram porque serão consolados".
 
Agradeci as minhas bênçãos tantas,
e orei a Deus pelos que não tiveram
a mesma sorte.
 
 
Descalvado - SP
23.09.2011
 
 
 
 
 
Fátima Irene Pinto
Enviado por Fátima Irene Pinto em 23/09/2011
Reeditado em 23/09/2011
Código do texto: T3236404
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