Buzina
Estou em casa aguardando quem vem me buscar, esperando o som que anuncia a chegada esperada. O sono já leve, os olhos fechados e a mente bem aberta, para receber o menor ruído, que venha denunciar a presença presumida. Um pássaro piando já faz atentar, uma voz passante, uma freada, um motor, um assovio, a impressão de ouvir chamar, seria um voltar ao sono ou isso mesmo teria ocorrido?
Se ocorresse eu saberia, a pessoa insistiria, utilizaria outros meios para chamar minha atenção, pois assim como sei que devo me apresentar, ela sabe que deve se anunciar. Mas e se aguarda que eu me apresente primeiro?
Não sei que horas são, também não pretendo levantar e verificar, antes aguardar o chamado que irá se fazer de sinal despertador, me tirando de vez do estado de sono. Então aguardo, angustiado pela espera, ansiedade. Até o sonho parece ter sido breve por ânsia. Se eu me recordasse do sonhado, talvez fosse algo relacionado com a espera e a expectativa de quem irá chegar.
Existe o combinado. Combinamos que ela iria buzinar. Será que consigo reconhecer o som da buzina? E se outro buzinar, se for uma buzina mais distante, eu confundiria? Pode ter trocado de carro ou mudado o som da buzina, ou minha forma de escutar o mesmo som, embora nem o ruído e nem eu sejamos os mesmos desde a última vez que nos encontramos. Outro eu e outro ruído, vão de novo se reconhecer?
Vai buzinar, talvez de forma curta, ou um longo aperto que vai se prolongar pelos meus ouvidos, talvez repetindo o gesto até eu me apresentar. Pode também ser ansiosa e imaginar que uma vez não seja suficiente para alertar, devendo multiplicar o gesto e prolongar o ato, causando uma poluição sonora que até causa mal-estar.
Não obtendo resultado, dentro do limite tolerável de espera, ultrapassando o tempo considerado necessário, ocorrerá o apelo à campainha. Outra forma de buzina, que irá apenas se manifestar no privado, não dissolvendo no espaço público como a do automóvel, que causaria depois de certo tempo, incômodo a pessoas não interessadas nesse acontecimento de espera e anúncio. A campainha apenas incomoda os de dentro de casa, estando no recinto mais de um, irão se fazer de porta-voz para anunciar a chegada do buzinador automobilístico e residencial.
O mecanismo pode não estar funcionando, por via das dúvidas tenta-se o telefone, tanto o fixo, quanto o móvel. O móvel pode ocorrer estar desligado, apenas uma mensagem programada para responder de forma fria, distante, uma distância que o som não conseguirá romper para se anunciar. Mas o telefone fixo costuma ser mais confiável na transmissão, não tem por hábito ser deixado desligado, salvo o aparelho estar com problemas,talvez a linha telefônica, se for sem fio, a bateria pode estar descarregada, mas nesse caso entra na categoria de móvel e perde sua credibilidade sedentária.
Por fim, a voz, a buzina do corpo, que ressoa num grito de desespero, estridente, ainda revelendo a identidade do chamado, ou algo ainda mais íntimo, um apelido, algo que que sirva de constragimento e faça a pessoa de prontidão se apresentar. A úvula é campainha que toca no céu da boca, a língua em movimentos flexíveis feito a mão no volante, a boca fazendo ressoar aquele ruído em fala que se move em direção ao anunciado para corresponder a necessidade do anunciante.
Por via das dúvidas, vou ficar de pé e pronto, aguardando no portão, vai que a pessoa chega sem carro, o telefone sem bateria, a voz rouca, a campainha por alguma infelicidade esteja desligada. Já que pouco dormi, agora me faço acordado de vez, olhos arregalados e ouvidos apurados, banho tomado e roupa aprumada. Nossa, esperar é uma merda. Porque não chega logo?