RACISMO - (14/5/75) - textos preferidos

- Escuta aqui, ô criolo...

- O que foi?

- Você andou dizendo por aí que no Brasil existe racismo.

- E não existe?

- Isso é negrice sua. E eu que sempre te considerei um negro de alma branca... É, não adianta. Negro quando não faz na entrada...

- Mas aqui existe racismo.

- Existe nada. Vocês têm toda a liberdade, têm tudo o que gostam. Têm carnaval, têm futebol, têm melancia... E emprego é o que não falta. Lá em casa, por exemplo, estão precisando de empregada. Pra ser lixeiro, pra abrir buraco, ninguém se habilita. Agora, pra uma cachacinha e um baile estão sempre prontos. Raça de safados! E ainda se queixam!

- Eu insisto, aqui tem racismo.

- Então prova, Beiçola. Prova. Eu alguma vez te virei a cara? Naquela vez que te encontrei conversando com a minha irmã, não te pedi com toda a educação que não aparecesse mais na nossa rua? Hein, tição? Quem apanhou de toda a família foi a minha irmã. Vais dizer que nós temos preconceito contra branco?

- Não, mas...

- Eu expliquei lá em casa que você não fez por mal, que não tinha confundido a menina com alguma empregadoza de cabelo ruim, não, que foi só um engano porque negro é burro mesmo. Fui teu amigão. Isso é racismo?

- Eu sei, mas...

- Onde é que está o racismo, então? Fala, Macaco.

- É que outro dia eu quis entrar de sócio num clube e não me deixaram.

- Bom, mas pera um pouquinho. Aí também já é demais. Vocês não têm clubes de vocês? Vão querer entrar nos nossos também? Pera um pouquinho.

- Mas isso é racismo.

- Racismo coisa nenhuma! Racismo é quando a gente faz diferença entre as pessoas por causa da cor da pele, como nos Estados Unidos. É uma coisa completamente diferente. Nós estamos falando do crioléu começar a freqüentar clube de branco, assim sem mais nem menos. Nadar na mesma piscina e tudo.

- Sim, mas...

- Não senhor. Eu, por acaso, quero entrar nos clubes de vocês? Deus me livre.

- Pois é, mas...

- Não, tem paciência. Eu não faço diferença entre negro e branco, pra mim é tudo igual. Agora, eles lá e eu aqui. Quer dizer, há um limite.

- Pois então. O ...

- Você precisa aprender qual é o seu lugar, só isso.

- Mas...

- E digo mais. É por isso que não existe racismo no Brasil. Porque aqui o negro conhece o lugar dele.

- É, mas...

- E enquanto o negro conhecer o lugar dele, nunca vai haver racismo no Brasil. Está entendendo? Nunca. Aqui existe o diálogo.

- Sim, mas...

- E agora chega, você está ficando impertinente. Bate um samba aí que é isso que tu faz bem.

Autor: Luis Fernando Veríssimo

http://portalliteral.terra.com.br/verissimo/vida_publica/vidapublica.shtml?

OUBÍ INAÊ KIBUKO
Enviado por OUBÍ INAÊ KIBUKO em 14/12/2006
Reeditado em 14/12/2006
Código do texto: T317935
Classificação de conteúdo: seguro