Todos erraram
Olha eu aqui de novo! Há mais de trinta dias não escrevo. Não produzi uma linha sequer nesse período de ostracismo literário. Nem mesmo pesquisas e informações abundantemente veiculadas pela imprensa, sobre a roubalheira desenfreada nessa era petista de administração vergonhosa, foram suficientes para encorajar-me a usar o teclado de meu quase “enferrujado” computador.
Estive doente. Aliás, ainda convalesço de pequena, porém dolorosa cirurgia prostática. Hoje, superando os incômodos sintomas pós-operatórios, retorno a prazerosa atividade literária, um dos remédios para atenuar o mal de Alzheimer, que já me ameaça paulatinamente.
Volto à escrita, na tentativa de amenizar o tédio do leitor, descontraindo-o com texto menos formal, consubstanciado em estórias cotidianas, verdadeiras ou de ficção. Pois, bem. Hoje, narro fato ocorrido em diagnósticos expendidos pelos ortopedistas Jonas e Vitório, cujos currículos ultrapassaram as fronteiras desse Brasil padrasto, que faz sofrer o cidadão necessitado de atendimento hospitalar de qualidade.
Jonas foi diplomado em conceituada escola de medicina de São Paulo. Os seis anos de rigorosa aprendizagem consagraram-no como o melhor ortopedista brasileiro, depois de tornar-se mestre e doutor em universidades americanas e europeias. Aos trinta e quatro anos de idade, acumulou conhecimentos médicos dignos de um cientista de escol.
Vitório não deixou por menos. Também se graduou em faculdade paulista, de alto conceito. Fez residência médica por três anos, findo os quais se transferiu para os Estados Unidos. Ali, concluiu mestrado em ortopedia, para, depois, defender sua tese de doutorado. Após recusar vantajosas propostas americanas, radicou-se no Brasil. Escolheu a cidade de São Paulo, como fizera o colega Jonas.
Os dois rapazes exercem suas atividades profissionais exaustivamente. O número de acidentes automobilísticos ocorridos no país, recordista em trágicos acidentes de trânsito, não lhes dá descanso. Raramente desfrutam merecidas férias em praias do litoral baiano. A escolha desses locais decorre da admiração pelas belezas naturais da região.
Jonas e Vitório, por coincidência, desposaram as duas mais belas baianas de que se tem notícia. Conheceu-as em luxuoso resort na costa de Sauipe, onde, anualmente, participam de torneios de tênis, esporte que os qualificam como bons jogadores.
Os renomados ortopedistas conheceram-se por ocasião de um torneio de tênis, patrocinado por laboratório farmacêutico. A entidade costuma premiar os médicos com viagens e excursões de lazer, como forma de angariar-lhes a indicação de medicamentos de sua fabricação.
O acontecimento esportivo fez bem a saúde e ao coração dos colegas de Hipócrates. Na oportunidade, conheceram as primas Amélia e Ana, com quem juntaram as escovas de dente. A beleza das jovens fisgou-os inelutavelmente.
Em certa viagem de férias, passadas em hotel de categoria superior, os dois amigos desfrutaram momentos felizes com a família. Um dia, sentados em torno de mesa protegida do sol por grande sobrinha branca, com o emblema do Vasco da Gama estampado vistosamente, degustavam saborosos petiscos, bebericando seus uísques com moderação. A conversa girava em torno de problemas médicos, depois de comentarem recentes notícias da corrupção que acomete nove entre dez petistas encastelados no governo.
Em dado momento, um jovem aproxima-se da mesa em que Jonas e Vitório conversavam. O homem caminhava com dificuldade. Prendia os joelhos um ao outro, com as pernas semiabertas, em visivel esforço para se locomover. Aos poucos, o rapaz tornou-se alvo das observações dos ilustres doutores. Um deles, Vitório, disse para o colega:
– Esse cidadão nasceu assim. Sério defeito congênito provocou a anomalia física.
Jonas não concordou com a opinião do colega. Baseado em seus conhecimentos ortopédicos, disse:
– Não. Acredito ter sido um acidente que lhe causou a dificuldade locomotora. A coluna vertebral, lesionada, não lhe permite andar normalmente.
Os dois médicos, como abalizados especialistas, continuaram emitindo suas opiniões. O rapaz, a cada passo, executado com dificuldade, aproximava-se de ambos. Ao chegar à mesa em que os ortopedistas estavam, foi interrompido em sua caminhada, para atender ao que lhe perguntaram:
– Amigo, por favor! Eu e meu colega somos médicos. Particularmente, acredito que o senhor nasceu com esse defeito físico. O doutor Jonas tem opinião contrária. Diz ter o senhor sofrido um acidente, que lhe causou a deficiência. Pergunto-lhe: Qual de nós dois errou?
O homem, que caminhava de cabeça baixa, forçada pela dificuldade de locomoção, respondeu:
– As três hipóteses para esta ridícula situação estão erradas.
– Como assim? Por que três? Emitimos apenas duas opiniões.
O jovem, ainda prendendo vigorosamente os joelhos, fazendo pressão física para mantê-los juntos, disse com certo esforço:
– Eu também errei doutor. Pensei que fosse um peido!
Os ortopedistas entreolharam-se, envergonhados. Nenhum deles aventurou-se a dizer palavra. Os muitos estudos não lhes ajudaram a diagnosticar uma simples diarreia, talvez motivada pelo excesso com que o jovem se atirara à culinária baiana, que eles também apreciavam.
Depois de alguns minutos, o rapaz que mancava retornou do sanitário, aliviado. Ao passar pela mesa dos médicos, sorriu-lhes ao vê-los encabulados. Talvez, para humilhá-los, saiu saltitando em direção à espreguiçadeira que o aguardava para um banho de sol.