Uma Linda Cena!

Muitas cenas mereciam ser flagradas por uma vigilante filmadora para que ficassem registradas e recebessem nossos aplausos e admiração. Muitas vezes, à falta de circunstantes, tantas tiradas da vida morrem na memória dos protagonistas. Assim, a história da vida se vai entretecendo com buracos lamentáveis. Embora quem conte aumente um ponto. Até a lupa escrupulosa e imparcial do historiador.

Para que não caia no esquecimento, faço, com incontida alegria, este relato acontecido há um bom tempo.

Tio Alípio, após um exaustivo dia de trabalho, o que é a sua regra de vida, dirige-se a casa, vestido com um macacão, cheirando a graxa... A essa altura, antevia um relaxante banho e adivinhava os itens do saboroso jantar.

E segue feliz, cantarolando pelo caminho a antiga canção “Vai, Boiadeiro”, de Luiz Gonzaga:

“De tardezinha, quando eu venho pela estrada,

A fiarada ‘tá todinha a me esperar,

Quatro filhinhos, é muito pouco, quase nada,

Mas não tem outros mais bonitos no lugar.”

Um certo dia, ao entrar em casa, a caçulinha, Maria Ângela, já o esperava de prontidão com carinha de choro. As lágrimas ainda nem haviam secado:

— Pai, minha boneca estragou. — E as lágrimas recomeçaram a brotar, entre soluços, em profusão. — Compra outra para mim, compra?

Aquele pai, cansado e suado, não pensou duas vezes. Toda meta pode ser mudada por outra melhor, a qualquer momento, ao gosto das premências. O rosto do bondoso Tio Alípio simplesmente iluminou-se. O cansaço desapareceu. Não havia suor nem graxa. É claro, este fora um dia que se arrematava com a graça do Pai. Pegou a pequerrucha pela mão e lá foram descendo pela Avenida Primeiro de Junho até que chegaram a uma loja de brinquedos.

Maria Ângela mesmo escolheu a nova filha, adotada pelo amor infantil que garante a alma dos objetos.

O sorriso da filhota, voltando com a bonequinha no colo, a ela desdobrando o puro carinho da maternidade, ah! isto encheu de alegria e gratidão o coração daquele dedicado pai. Não havia paga para a grande felicidade da menina, de posse de algo tão pequeno.

Uma linda cena! Mas as lindas cenas do Tio Alípio com a família, os amigos e a comunidade povoam a sua vida. Que precisa ser escrita.

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 10/12/2006
Reeditado em 28/01/2011
Código do texto: T314245
Classificação de conteúdo: seguro