DIA DE VENTANIA

DIA DE VENTANIA

Rangel Alves da Costa*

Diferentemente do que se poderia imaginar, logo naquele que seria o tão esperado dia de ventania, a vida do lugar começou a tomar uma feição mais alegre e contagiante desde o alvorecer.

As pessoas abriram as portas mais cedo e assim as deixaram sem nenhuma preocupação; cadeiras eram colocadas nas calçadas para quem quisesse sentar, ainda que o sol esquentasse mais tarde; as ruas e os bancos das praças foram tomados por uma verdadeira multidão animada, conversando, uns desejando boa sorte aos outros. Mas por quê?

Simplesmente porque era de ventania, o dia considerado especial, mais esperado e festejado por todos. Desde os tempos dos tataravôs dos tataravôs que esse dia era ansiosamente aguardado como sinal de fé, esperança, conforto e fortalecimento para continuar sobrevivendo com paz, amor, dignidade, honradez e todas as boas virtudes.

Os viajantes, estrangeiros e desconhecidos que acaso estivessem por lá nesse dia, certamente não entenderiam nada, não veriam nenhum motivo para um povo comemorar um dia de ventania. Pelo contrário, haveriam de dizer que a ventania chega pra derrubar e desfazer tudo, espalhar o que está arrumado e deixar em desalinho tudo que for encontrando pela frente.

Mas não perante aquela comunidade, onde esse dia era verdadeiramente venerado, tido como um fenômeno necessário e tão importante como o próprio dia de amanhã. E se a ventania não viesse nesse dia então é que o mundo só faltava acabar, tendo relatos de pessoas que chegaram a enlouquecer, se jogar dos penhascos e desabar pelo mundo só porque esse vento feroz não despontou no horizonte e passou fazendo o que tinha de fazer.

Mas o que o vento feroz, a ventania faminta faz senão destruir? Ledo engano pensar assim, já havia ensinado há muito tempo um ancestral daquele povo. Quem pensa que a ventania seja ruim é porque se contenta em continuar na mesmice e não deseja que a vida seja soprada pela força da natureza e, com isso, tudo se transforme no passo e compasso desse sopro.

Todos ali, da criança ao mais antigo, sabiam que naquele dia especial, assim que o vento se formasse forte nas distâncias e fosse ganhando velocidade e mais vigor ao se aproximar das montanhas, e ao ultrapassá-las descesse rumo à cidade todo assanhado e valente, levantando pelo ar tudo que estivesse no caminho, então era chegada a hora do refazimento para a felicidade.

Assim, quando chegasse às portas da cidade e fosse balançando os varais, derrubando cercas, afastando telhados, jogando aos quatro cantos papelões e plásticos, fazendo as portas bater incontidamente, as cadeiras balançarem sozinhas, a folhagem das árvores dançarem na despedida, as plantas e flores tremerem, mais o povo dizia que viesse mais forte.

Assim, quando o sopro incontido fizesse cães e gatos correrem assustados, os chapeus e sobrinhas subirem feito pipas, as pontas das saias levantarem até o rosto e as ruas ficassem tomadas de nuvens de poeira e pó, então a ventania teria cumprido o seu papel e transformado inteiramente o lugar.

E por que tamanho desarranjo deixaria o povo tão cheio de contentamento? Ali todo mundo acreditava que a ventania tinha o poder de afastar e levar pra bem longe tudo que fosse ruim; tinha a força para fazer surgir toda negatividade que se escondia pelos cantos e buracos; tinha o dom de espanar e espalhar tudo, bagunçar para saber escolher, e depois levar para as profundezas do mar tudo que fosse ruim para o povo, para a cidade, para a vida.

Por isso que as portas ficavam abertas para a ventania vasculhar tudo que desejasse; as pessoas saíam às ruas para serem tocadas e arejadas pelo vento forte; os varais se enchiam de roupas para uma vida nova encobrir o corpo daquele povo; as cadeiras eram colocadas nas calçadas para que os antepassados se balançassem ao sabor das memórias e relembranças.

A ventania era como o sopro divino trazendo uma nova era. Desse dia em diante todos se sentiriam mais fortes, renovados, com os espíritos tomados de boas novas. E daí em diante, noutros dias, quando tudo começava a voltar ao normal e chegar as tristezas e as angústias, só restava esperar ansiosamente o próximo dia de ventania.

E é por isso que pelos ares - antes que a ventania desse o destino merecido - se espalhavam cartas de desamor, retalhos daquilo que causou tanta dor, fragmentos de tudo que não mais merecia existir. E havia também uma flor murcha bem lá no alto. Ora, mas logo viria a primavera.

Poeta e cronista

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