É bom ser sincero?
Certa tarde do mês de setembro, bastante seco e quente, como acontece no prolongado verão brasiliense, fui à praça de alimentação do Shopping Iguatemi, próximo de minha casa. Encontrava-me ali para espairecer, comer e beber alguma coisa, sentado em uma das quatro confortáveis poltronas que compõem a bonita mesa com tampo de granito branco.
Aquele centro de compras, recentemente inaugurado, foi arquitetado com inegável bom gosto e serviu para melhorar as ofertas de lazer no Lago Norte, bairro de classe média e acolhedor recanto para alguns endinheirados da capital federal.
Por volta das dezoito horas, recebi a visita de dileto amigo, chamado Getúlio. Foi um imenso prazer receber aquele cidadão estudioso, advogado de notório saber e assíduo leitor dos textos que escrevo e lhe envio por e-mail, como faço com outros que integram minha numerosa lista de contatos.
Getúlio é goiano. Muito conversador, tem sempre uma informação, um assunto sobre a “política de compadres” praticada em Brasília. Conversamos por muito tempo, ele, bebericando aqui e ali um golezinho de bem gelado chope, enquanto eu sorvia minha Coca-Cola Zero. Gordo como estava, não podia ser diferente. Precisaria evitar competir em peso com Ronaldo Fenômeno e Adriano, jogadores de futebol que deveriam trocar o esporte bretão pelo sumô. O Ronaldo, aliás, já desistiu de jogar. O outro, depois de curado de séria lesão física, deveria pensar no assunto.
A conversa estava animada. Falamos com muita tristeza dos gravíssimos casos de corrupção que se multiplicam em decorrência da política do “é dando que se recebe”, praticada sem escrúpulos pelo PT e seus muitos aliados. Falamos mal do Flamengo, timezinho de nossa implacável ojeriza. Getúlio é botafoguense. Eu sou vascaíno. Ambos somos acostumados às grandes vitórias. Já o outro...
Para mudar de assunto, Getúlio contou-me a seguinte estória, afirmando ser verdadeira, porquanto lhe fora contada pelo personagem que a vivenciou. Disse-me que certo amigo, vendedor de uma concessionária de automóveis local, agência de famosa e caríssima marca de carros importados da Alemanha, observava elegante senhora que examinava um dos modelos expostos no luxuoso salão. O exemplar era de última geração. Uma preciosidade.
A distinta cliente não resistiu aos encantos do carrinho e, abrindo-lhe a porta, sentou-se ao volante. Examinava o painel, bancos e instrumentos de controle, deslumbrada com a obra prima da indústria germânica. Em dado momento, inclinando-se para mirar-se no espelho retrovisor, deixou escapar uma porção de sonoros gases acumulados no intestino, que há algum tempo ela lutava para reprimi-los.
Envergonhada, a inditosa senhora olhava para os lados. Temia ter sido flagrada por alguma pessoa. Seria indigno para ela alguém ter ouvido o estrepitoso barulho e sentido o desagradável odor da inesperada flatulência, provocada pela ingestão de alimentos da culinária mineira, consumidos em lauta refeição.
Depois de virar-se para os lados, inquietantemente, em certo momento, deparou-se com o vendedor, esse amigo do Getúlio, postado ao lado da porta, com a cabeça para dentro do interior do carro.
O rapaz desejava retirar-se dali o quanto antes. Estava bastante nauseado. Mas, notando que a cliente esboçava algum movimento para dirigir-lhe a palavra, disse-lhe, comprimindo as narinas para livrar-se do mau cheiro:
– Posso ajudá-la, senhora?
Na tentativa de disfarçar o incidente, a mandame respondeu:
– Por favor, qual o preço deste lindo veículo?
O vendedor não se conteve. Esquecido das boas maneiras que deveria adotar no trato com os clientes, disse:
– Desculpe a sinceridade! Mas, se apenas vendo e sentindo o conforto desse extraordinário automóvel, a senhora peidou, talvez lhe aconteça o pior ao saber o preço.
Nem sempre é bom ser sincero.
Diga isso a seu amigo, Getúlio!