Obras emolduradas
Pelas mãos dos grandes mestres da pintura, entre esses Matisse e Picasso, até mesmo a cor preta é colorida, franca e iluminada. Legítima, embeleza. Pode ser dor ou prazer; alegria ou sofrimento. Neste contexto, o mais talentoso pintor dos contrastes da nossa personalidade somos nós mesmos, que lhe conhecemos cores e nuances. Por mais que nos retratem pela vida afora, feios ou belos, somente nós exibiremos cedo ou tarde, a partir de gestos e de atitudes individualizadas, a arte original.
Considero um grande pecado emoldurar minhas obras. É finalizá-las, quando a linguagem pictórica não tem fim. A impressão que sempre tive é de que as cores desejam mesmo fugir.
Nunca anexara moldura aos meus quadros, até que alguém o fez um dia. Um a um, emoldurou-os, a todos. Mais tarde percebi que emoldurara também meus desejos, meu coração e minha alma. Descaracterizou-me, por longo tempo. Não fui eu e nem ninguém. Mas, essencialmente desafiadora, minha força interior transcendeu. Criei obras em papel e/ou obras em telas enormes, difíceis de enquadrar. Abusei dos pincéis, das espátulas, das colagens e das texturas. Surpreendi. Rompi os grilhões. Imobilizei a fera destruidora que tomava a forma do meu corpo. Desci das paredes, crucificada que estava, em pregos de marfim. Liberta, passei à escrita e hoje construo o Infinito pelo qual trafego, certa de que outro tipo de liberdade aguarda-me, mais dia menos dia, sem moldura fixa, sem enquadramento.
Rio de Janeiro, 30 de maio de 2011