AS DUAS CARAS DO SERTÃO - Matéria do Cantinho do Zé Povo-O Jornal de Hoje-Natal-RN-Ed. 21 de maio de 2011
É, amigos! Diante das chuvas que estão caindo no nosso sofrido nordeste brasileiro, me transporto ao passado e me vejo diante do meu saudoso mestre José Cavalcante, escritor paraibano e ex-prefeito de Patos-PB; que costumava enfatizar que o sertão tem duas caras. E meu saudoso mestre estava com sobradas razões para fazer tal afirmação. Senão, vejamos. As duas caras do sertão a que ele se referia, são a cara da sêca e a do inverno. A cara da sêca é dura qui nem um toco de roçado para se fazer uma “broca”. Mostra a vegetação encarrascada, os pé de pau sem uma única folha, tal e qual um “véio disdentado”; com os retirantes chorando pelas estradas em completo desespero. Pé de pau sem folhagem, marva branca, marmeleiro, arueira retorcida, pau d’arco, acácia amarela, tudo se acabando pela sequidão vigente. A macambira moribunda, xique xique murcho, cardeiro também na mesma situação; e até o avelóis; amarelando... Até a madrugada é quente e sem uma única gôta de orvalho; o trabalho escasso, os patrões, perdendo gado bovino, caprino, ovino e tudo o mais. Nessa época, de verde, lá só tem mesmo “pano de sinuca e pena de papagaio”. Os riachos, secos; os barreiros ressequiddos, o solo rachado. O homem do campo, o peão, por assim dizer, sofrendo “mais do que couro de pisar fumo”; quando está na boa, na hora do almoço, onde deveria ser o roçado; só tem mesmo feijão macássar na água e sal; tendo por acompanhamento, farofa d’água, um pedacinho de “jabá” e um “boró” de rapadura... Esse homem, tange seu jumentinho, que é outro verdadeiro herói da região; acarregado de xique xique assado para o gado ter a fome “enganada”. Já a queima de espinho; é de cortar o coração da gente. Pega-se com as “unhas de ferro”, macambiras, xique xiques, palmatória e mais outros cactus, formam-se as “coivaras” e põe fogo em tudo aquilo. O espinho, depois de queimado, o caule vira a ração dos animais... Muitas vezes os animais pegam aquilo quase fumegante e não aguentando a quentura, soltam no chão; e por terem queimado a língua, naquele momento ficam sem se alimentar. O vaqueiro, muitas vezes, em sua muda solidariedade, chora junto com a dor do seu patrão, com tanto aperreio. Para esse poeta, isso não é novidade; pois “sofrimento e desespero”, são verbos que o sertanejo já está cansado e calejado de conjugar. E a cara do inverno ? Ah! Meu fíi; essa é uma cara bonita como a mulher dos seus sonhos, toda tomada banho, cheirosa, com sua saia de xita rodada e um lindo laço de fita a ornamentar sua cabeça. É como uma noiva feliz, entrando na igreja no dia do seu casamento. Chega a chuva, molha a terra, os barreiros e açudes se enchem d’água, deixando na represa todo o lixo que os riachos encontraram pelo caminho. Cada resevatório agradece cada pingo de chuva, como se fosse uma lágrima de bondade, caindo dos olhos de Deus. Sertão com inverno é festa. Os campos se enchem de pastagem, os animais “escramuçam”, os matutos jogam suéca nos alpendres dos patrões. E a terra; essa é a noiva feliz, totalmente vestida com o vestido deslumbrante das flores do campo, confeccionado pela “mãe natureza”. Fome é uma palavra que se risca temporariamente do dicionário da matutada. E o sertão castigado se veste todo de alegria e felicidade, estampadas nos rostos de cada pessoa. Forró de chão batido, gente e bicho fazendo amor, os roçados preparados para receber a semente; mudam a rotina do irmãozinho sertanejo. As mulheres rezam agradecendo a dádiva Divina; os poetas tiram versos, os violeiros fazem loas. O sertão aí é um legítimo favo de mel. Aí eu costumo dizer que: O meu sertão castigado,/ de alegria se veste./Gente e bicho faiz amô,/ de norte a sul, leste a oeste./ Êle tôdíin, p’ru intêro,/ se transfóima, cumpanhêro;/ num paraíso terrestre...