O bar de Tio Petrônio

“Vá lá em Seu Zé comprar pão: são sete de sal, cinco de doce e três de milho. Aproveite e passe no bar de Petrônio e pegue meio quilo de café”. Eu devia ter 7 ou 8 anos, lá por meados da década de 1970, quando ouvia algo assim quase que diariamente.

Lembro-me com nitidez da cena: eu chegava à padaria de Seu Zé Marinho por volta das 18h30min para atender à incumbência dada por minha mãe ou por minha irmã e madrinha Simone, que tinha seus 18 anos e ajudava a criar os irmãos mais novos. Aquele cheiro de pão recém-saído do forno inundava o estabelecimento comercial mais visitado da cidade (hoje, um supermercado pertencente à mesma família). A freguesia disputava “no grito” para ser atendida logo e poder levar para casa aquelas delícias ainda quentinhas. Claro, eu também fazia de tudo para ser ouvido.

Já com os pães garantidos, atravessava a rua (hoje um calçadão) e entrava no bar de Tio Petrônio, irmão do meu pai, onde tínhamos uma caderneta de compras. Ali eu ficava fascinado com a máquina elétrica de torrar café, que impregnava o ar com um aroma maravilhoso ao encher o saco de papel pardo. Na época em que refrigerante era bebida apenas dos almoços de domingo ou de datas festivas, eu também sempre me candidatava a ir ao bar buscá-lo.

O bar de Tio Petrônio era realmente um lugar cativante para qualquer criança da minha querida Boa Nova-BA, apesar de ser genuinamente destinado aos adultos. Em cima do balcão, ao lado da máquina de café, ficava uma bomboniere giratória de vidro com várias tampas. Ali dentro havia uma explosão de cores e sabores, traduzidos em chicletes, pirulitos e balas (que chamávamos de “bombões”, tanto no plural quanto no singular). Atrás do balcão, em prateleiras de madeira que iam do chão ao teto, podíamos avistar muitas cachaças “temperadas” com as mais variadas ervas, o que dava a cada garrafa transparente uma cor única. Três ou quatro mesas, destinadas aos que ali paravam para tomar cerveja, completava o ambiente. Em cima delas algo me chamava a atenção: cinzeiros azuis e vermelhos metalizados traziam cores que não existiam na minha caixa de lápis-de-cor nem em qualquer outro lugar da cidade.

Todas essas lembranças vieram à tona na última segunda-feira (9), quando, no início da tarde, recebi uma ligação da minha família, dando a notícia da súbita morte do meu tio. Um infarto fulminante tirou a sua vida aos 84 anos. Ele se foi exatamente no lugar onde passou mais de quatro décadas: atrás do balcão do seu bar.

Seu semblante um tanto sisudo era uma visível diferença do jeito sempre extrovertido do seu irmão mais velho, meu pai, que também partiu num dia 9 (de outubro de 2003). Ambos, no entanto, sempre tiveram uma forte ligação. Antes de cada um seguir os seus respectivos caminhos profissionais, trabalharam juntos como marceneiros e deixaram como legado coletivo dessa época os moldes de madeira que serviram para a construção do coreto da cidade.

A sua sisudez, que resultou em ótimos casos testemunhados ou simplesmente criados por seus amigos e clientes, será, sem dúvida, motivo de inúmeras lembranças e boas risadas. Na minha vida adulta, já morando fora, voltei muitas vezes ao bar de Tio Petrônio para tomar uma gelada na companhia dos amigos ou simplesmente para cumprimentá-lo e trocar alguns dedos de prosa.

Provavelmente, aquele estabelecimento tradicional de Boa Nova nunca mais será o mesmo. Talvez até chegue ao fim o seu ciclo de existência, assim como os demais ciclos de todas as coisas e pessoas. Fico agora imaginando que na sua próxima parada, Tio Petrônio terá a chance de um novo encontro em família, com meus avós, Tia Dalva (sua esposa) e, claro, com meu pai.