LIQUIDAÇÃO
Estou trocando possíveis quinze segundos de fama por quinze anos de anonimato. E aí, oferta boa, quem topa?
Justiça? – se trago os olhos apenas com a intenção de ver, perco a calda de chocolate. Que graça existe na massa senão pela cobertura de chocolate? Pois que os olhos – ah, esses atrevidos! – se amalgamam à cobiça por só observarem a calda de chocolate: e quem não mete a colher na massa, não recebe calda de chocolate.
É como alfabetizar uma petiz pela internet: um de nós ficará iletrado nessa história.
Aliás, e quando um pai se projeta anacrônico num filho? O guri do meu vizinho estuda de manhã e à tarde. Após, vai ao judô, ao tênis, inglês e ainda sobra tempo para tocar violão. De repente me coloco no aparelho de som a berrar para todos os cantos:
“Eu guardei a rosa,
Eu guarde para você:
- a criança não quer prosa
Então deixe-a viver...
Todos juntos de mãos dadas
Meio-roda e nada a ver
A criança atarefada
O futuro não vai ter”
E de repente a ciranda é outra, eu percebo tão logo que o pai resmunga:
- quando o Juninho crescer será diretor de banco!
Mas o menino já se cansou de dizer: “o meu sonho é ser controlador de carrossel”.
Gira no descontorno de seu filho, amigo pai, seja vizinho no esbanjar – é aceito – mas deixe o menino correr em paz... Sabia que nem time de futebol ainda deu tempo dele escolher? Já pensou, quando a Copa passar?
A melhor maneira de prever o futuro é acontecer.
Como têm feito as crianças daquele colégio carioca, outro dia surpreendidas pelo atirador desumano: contam piadas para garantir a vida!
É isso... Usam do politicamente incorreto como transgressão às chatices que o mundo está inventando. Deixam o sentimento médio às pessoas da classe sem classe e apenas medo, sabem que não haverá perigo maior, e, retroagindo o sarcasmo, todos os dias se provocam: “hoje o Wellington não vem, né?”.
Decerto, essa garotada aprendeu a brincar na liberdade. Soltavam peão, corriam bolinhas de gude, rodaram bambolê, pularam corda...
Imagino eu se um atirador resolve barbarizar aqui no prédio bem apessoado que moro. Certamente, vezariam olhares cuidadosos diretamente para as periferias.
Tipo é aquela em Realengo, que acomoda o tal colégio carioca da catástrofe.
Agora, pergunta por qual atenção os olhos perdem. Basta ser você um mero atento, nada demais inclusive, e perceberá, são olhos que perdem a calda de chocolate.
Claro que eu também perdi o doce. Tanto que coloquei à venda este apartamento aqui que nem meu é, e já vem com vizinho de futuro e tudo.
O preço é muito justo, e bem abaixo das imprecisões do mercado.
E aí, você vai levar?