Sobre Despedidas e Esperanças
*apenas um exercício literário (?)
Calei meus poemas. A forma como se demonstravam sombrios não condiziam com minhas esperanças de viver. De forma que não mais escrevi. Os mantive calados em meu peito à medida que meus sonhos diminuíam com meus cabelos raleados, mais brancos e finos que na aurora de minha vida.
Assim, quando nessa noite de febre e temor, um sonho abordou-me com explicações complexas. Acordei às quatro da manhã, tomado pelo suor, com lembranças vivas daquelas pessoas que em meu sonho levaram-me a um lugar que segundo eles há algum tempo está sendo preparado para me receber.
Não seria fácil a esse parco poeta narra-lhes a paz por que fui tomado, a certeza de que minha missão nessa vida caminha para o fim. Acendi as luzes, acendi o último cigarro amassado, e ainda às quatro da manhã, como um belo louco, comecei a recitar “Lembranças de Morrer” de Alvarez de Azevedo.
“Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nenhuma lágrima
Em pálpebra demente.”
Aquela senhora que me conduzia com zelo em meus sonhos, dizia-me que não me assustasse, que ao termino dessas novas dores, desse novo cansaço irremediável o descanso merecido viria a meu encontro com brevidade.
“E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.”
Permaneci à peleja de recordar-me de todo o poema, enquanto me lembrava do jovem senhor que me conduzira por uma bela casa em meu sonho. Estranhamente parecida com minha casa, porém todos os móveis eram brancos, e haviam macas limpíssimas, flores, e um perfume levemente adocicado. As palavras desse senhor eram fortes e ainda assim leves ao dizer que ali me aguardariam e cuidariam de minha saúde.
“Eu deixo a vida como deixo o tédio
Do deserto, o poento caminheiro,
– Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade – é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.”
A dor que antes dava entender que meus ossos queriam revoltar-se arrancando a si mesmos de minha carne, de repente cessou. Como um toque mágico cessaram câimbras, suores, medos. A dor em meu peito desapareceu e uma paz me tomou, associando-se à minha resignação.
”Só levo uma saudade – é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas…
De ti, ó minha mãe, pobre coitada,
Que por minha tristeza te definhas!
De meu pai… de meus únicos amigos,
Pouco - bem poucos – e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.”
Assim comecei a escrever, a permitir que o torto poeta que havia sido teria algo ainda a dizer. Lembrei-me de minha mãe. Ah, minha querida mãe, como posso eu querer que se conforme com meu passamento? Não. Apenas que a mesma luz que ora me preenche, a fizesse perceber que não se trata de desistência, isso nunca. O homem que penso ser, o que luta, o que busca exercitar o bom combate permanece. Porém a que se entender que fazemos parte de um ciclo com início meio e fim, para que um novo ciclo possa começar. Porém, a urgência do tempo me ordena a reduzir os versos das “Lembranças de Morrer”.
“Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo…
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!”
Dos amores que tive, dois mais me entristecem. Deles, os senhores do meu sonho nada disseram, talvez porque ainda não seja chegada a hora de esclarecer-me com profundidade sobre o porvir e seus pesares. O sonho de uma esposa amada com quem envelheceria, fatalmente adiado pelo curto tempo que me resta. E meu filho que amo tanto, e que fui privado ou me privei, de dar-lhe todos os beijos e abraços, de ensinar-lhe o pouco que sei sobre o amor. Instigar-lhe como pai o bem precioso da honestidade. Dores que me consomem mil vezes mais que as causadas por meu corpo fatigado ou a doença piedosa que me permite a hombridade nas trilhas finais de minha grande aventura de viver.
“Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.”
Não há como negar o quanto fui feliz. O quanto sou feliz. Nem se há de fazer alarde ou providenciar prantos de despedida. Minha história é coroada de vitórias e alegrias. Heranças únicas à minha mãezinha e meu filhinho. Sempre tive a esperança de que meus loucos amigos festejassem minha viagem, que me é dada por mérito e não por castigo. Sorriam e cantem, relembrem nossas histórias. Não se enganem com a fragilidade do invólucro em que ainda permanece minha honra.
”Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!
Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos…
Deixai a lua pratear-me a lousa!”
Wellington Cruvinel
19 de abril de 2011
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