Dia Feliz
Aos poucos é domingo: não adianta, o sábado já se fechou.
O buraco da gente está usado. A segunda-feira vem aí. O delicioso de se escrever sobre o domingo numa segunda-feira é que todos os sentimentos indignos com relação ao domingo são liberados agora.
E se a chuva, em? Ah, como nubla a segunda-feira! Nem bem nublado é. Chuva, então...! Ando descrevendo os meus passos com tamanha desenvoltura, mas tanto, que já me acho um pormenor além, do tipo sobranceiro. Coisa pequena que aguda, sabe? Não chove, não nubla, não faz frio, nem calor, nem sol. É uma segunda-feira de cara e só. Fechada que só ela. Segunda como ninguém.
Não há área de escape num dia destes. Segundo o horóscopo inexistente, nos fadamos à mostra daquilo que podemos ser, e depois comemoraremos: pela noite mear, pela terça chegar, por segunda-feira estar o mais distante possível.
Por isso detestamos o domingo. Não o dia todo, mas a noite – para que serve o domingo à noite?
À parte a ironia que nos caberá a seguir, reparei que os domingos e as segundas pertencem aos senhores das patentes, das ordens e de outras aberrações. Eles – reparem bem – despertam a manhã antes da manhã merecida, inclusive aos domingos. Segunda, dia das amarras, eles também estão lá: em pé, altivos, presentes, mal-humorados! Condenam a qualquer possibilidade diferente daquilo acostumada, e são cartilhados à talha: possuem busto nas segundas-feiras. De segunda a segunda. Tios de Ray-Ban e cabelo cinza.
Ontem, domingo, os vi às portas de suas casas, aos montes, individuais, lavando os seus carros. Nem precisei sair de casa para isso, a visão está na memória: a melhor maneira de evitar confusão dos olhos. Pensei nas lasanhas afogadas ao leite insosso que uma tia sem noção nos obrigava goela abaixo. Lembro de cada um dos sons da terra em vozes agudas que o rádio liberava. Não esqueço a babosa nas mãos, e das mãos pra boca. Um amargo de domingo.
Se você ainda prefere a segunda-feira, é melhor inventar uma reclamação melhor. O domingo é realmente um caos. Chega o som do fantástico, trapalhões que somos, ouvimos, deprimimo-nos.
Um dia mais próximo da segunda-feira, ela apenas. Mas nada igual ao domingo.
Declarei que me prestaria a humano de terça a sábado, nada além. Segunda: ficarei na mão, nos sonos. A tragédia do avião é não dar marcha-ré, quer você então voltar o tempo, mané? Dormirei apenas, de noite a noite, do último sábado à próxima terça. Domingo ficarei em quarentena. E, segunda, passarei na sonolência.
Terça começa a semana. Sábado acaba. Invertendo o tempo eu acabarei com a minha escória? Tomara vida, permaneça a dúvida. Tá aí, outra segunda-feira para não se aproveitar.
Como eu falava, esta história se resume a um domingo...