HERÓIS DO DIA-A-DIA

Prof. Antônio de Oliveira

antonioliveira@2011@live.com

Estive a observar alguns operários dando um duro na reforma de uma casa. Expostos ao sol, de vez em quando um deles se aproximava da massa de responsabilidade do servente de pedreiro, pegava a mangueira pelo bico e sorvia água, demonstrando muita sede. Às 11 horas, cada um com sua marmita na mão. E me pareciam felizes, tanto que um deles, depois do almoço, ensaiou uns passos de capoeira como se fosse se exibir para Obama e família. Um detalhe: é quaresma. E me perguntei: – Como ainda pedir sacrifício ou mortificação a heróis como esses, do dia-a-dia?

A cena me transportou a outras classes de pessoas, desde os assaltantes aos políticos se arrumando à custa do dinheiro público. Desde os participantes do big brother empenhados, na busca de espaço na mídia, em tarefas fúteis e até degradantes, aos salários milionários de predestinados jogadores de futebol. E, depois do tsunami no Japão, me lembrei de Vinícius de Moraes, pensei nas crianças mudas telepáticas, nas meninas cegas inexatas, nas mulheres rotas alteradas, nas feridas como rosas cálidas. Rosa de Hiroxima, 65 anos depois. Rosa hereditária, radioativa, estúpida e inválida. Rosa com cirrose. Antirrosa atômica.

Pensei em gente morrendo vítima da teimosia de ditadores em se manter no poder. E por que se justificam invasões desde que se preservem os espaços ocupados por civis? Será que matar soldado pode? Pensei nos doentes, nos presidiários em celas superlotadas. Nos idosos e nas crianças abandonadas. Nas vítimas do trânsito. E pensei também em tantos brasileiros dando um duro na agricultura, na indústria, no comércio, na prestação de serviços. Questionei o conceito de honestidade, de justiça, o conceito de herói, a figura frágil e transitória do ídolo.

E pensei na estátua enorme do sonho do rei Nabucodonosor, relatado no Livro de Daniel. Uma pedra caiu justamente nos pés de barro da estátua. Imediatamente, como palha que o vento carrega sem deixar sinal, rolou abaixo tudo que era de ferro, de bronze, de prata, de ouro. Dom Marcos Barbosa também fala n’A estátua da mulher nua / Que oferece seu corpo aos homens que passam / Mas tem os cabelos de ouro e os pés de barro”. Quaresma, tempo de reflexão. Onde está o verdadeiro herói?

fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 31/03/2011
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