Declaração: De Um Guri de Oito Anos
Rosa: Declaração de Um Guri de Oito Anos
"Caso a Terra desgire o que refina é impossibilidade: a gente é que balança. Imagine você, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer, pudera! Ser o humano da gente a gente no lugar do melhor de todos: pode? Imagine que o mundo aconteceu, o tempo atrasou na medida em que passa, estamos intactos por algum momento, nada acontece, apenas o extraordinário da esquina é a nossa conquista, quem seria você, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer, nesta condição?
O super-herói que do alto de seus poderes megalomaníacos vive deprimido por nem conseguir ser apenas mais um nas plenas horas vagas?
Ou seria você, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer, um escritor dos casos mais fodas e perdidos na solução, mas que ao mesmo tempo se apresentam com digna coerência mestra?
Não, amigo meu, você seria o tipo da TV que desaprende a dizer as verdades na exata importância de suas aparições em rede nacional!
Quem sabe, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer, possa você morar na rua do meu primo mais velho e crer no que todos suspeitam por lá: alguém, daqueles campinhos, sairá direto para vestir a camisa amarelo-canário da Seleção.
Caso a Terra desgire, amigo meu. Veja bem, ela não irá parar na imobilidade, apenas compensará cada um dos giros com outro desgiro. Quando você se casou, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer, podia parar com os beijos? Não! De que valeria um casamento se os beijos não estivessem por lá? É isso: parou de beijar, descasa; beijo negligenciado em uma relação amorosa é desbeijo. Ou você, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer, achava sempre que o desbeijo era um tapa? Não, o desbeijo é o não-beijo! Tapa é quando o quase-humano está ao pé da gente; outro departamento. Então, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer, maré de azar é fé com fé, compreende? Vaivém. Sacou?
Porque se somos assim ninguém, alguém podemos ser, e a gente, ao passo que é só no singular, o é por precisão: seja agora, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer, quem você quiser!
Apenas é preciso que você queira. Por isso a Terra vai desgirar pra você, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer, e dar num equilíbrio que o humano não pode suportar; nem é meramente uma questão que acostume, mas princípio; amigo meu... Nesse hiato você segura a corda do tempo e escolhe: seja quem você quiser!
Acontece o amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer ser um caro mensageiro ditoso, parecido tê-lo saído de saudade italiana coberta por bordados franceses. E com cara de chão batido; rachado; seco: um livro do Érico que ainda estaria por vir, mas nascido, desta vez, no Rio Grande do Norte. Eis o amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer. Um cara dado a não ter sonhos, fazia-me pensar por ele as coisas da escolha mais importante daquilo que nunca seremos. Amigo meu, amigo apenas meu: amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer. O conheci no muro do quintal quando os pedreiros descascavam o reboco de uma das infinitas obras não concluídas por iniciativa de meu pai. Dois dias inteiros de espera, a vida me compensou a mim com o amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer!, ninguém me avisou que os pedreiros não viriam, a minha única amizade, dois cabras dos mais tensos e corações em Beirute, mas agora, a mim: amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer! Chegou-me de sorriso em punho. Amigo meu de coração. Um Super-Homem? Um quântico digno de Nobel? Jesus!...?
O amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer nada vai escolher.
Lembra da bicicleta sem jogo na catraca? Não deixava pedalar para trás. Imagina a quantidade de criança impossibilitada? Quantas voltas a idéia perdeu naquele esforço infinito? Aqueles pedais infames e lacrados: giravam... Giravam...
Boa é a bicicleta atual e moderna, o pedal desgira. Você fica em pé no pedal e a magrela vai embora, na boa, na banguela. É mais prático ainda, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer...! Jesus?!?! Não, amigo meu, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer, vamos ficar conosco, é gente, amigo, gente gente, de frente, de verso, de fato, amigo meu, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer... Nem pense nisso! Para de loucura!
– doidivanas, tu!
Que cara feia que ocê correu pra me amostrar! Para!...
– amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer, o que você quer afinal?
Daí ficou emburrado, saiu de velotrol, assim como chegou, nem pedalar se sugere, amigo meu Quer-me Bem de Mal-Me-Quer: chapéu de coro à Lampião, troféu de cem mil rosas nas mãos:
e um olhar de quem vai esperar a Páscoa para rever os autos do julgamento da trajetória suicida de Getúlio Vargas.
Ah, se a Terra desgirasse..."
Obs.: Uma crônica exercitação de imaginário literal livre: poderia ter Joãozinho Rosa oito anos de idade, num tempo atualíssimo do século 21, antes – e muito antes – de se haver com o sertão.