Ossos do ofício
Estou em uma reunião polêmica. Não poderia ser diferente, está apinhadinha de gente e gente é bicho que gosta de cutucar, gritar por si, profetizar, confundir, colaborar. De tudo ocorre para engrossar esta mistura caudalosa de cheiro indelével. São muitos cheiros.
E as vozes? É engraçado perceber cada timbre, freqüência, sonoridade..
Parar para pensar sobre isso é um exercício interessante. Alguns mais polidos fazem a inflexão com o dedo indicador, pedindo a palavra “que não vem fácil”, tem que ser suada e o dedinho desanima, dobra, dá câimbra. Os polidos insistentes continuam heroicamente com seu gesto, mas, é possível sentir na expressão dos olhos, que começa a aflorar o diabólico desejo de mudar para o dedo médio, aquele que serve também para substituir palavras grosseiras que os bons moços só verbalizam em raríssimos casos de histeria. Afinal ele é filho de Deus, apesar da heresia da comparação.
Os despreocupados com o bom senso, misturam-se num falatório sem fim e quase sempre sem razão. Vence a garganta mais potente acompanhada de ligeiras inflexões corporais. O corpo, afinal, também grita.
Chegado ao limite do improdutivo, o coordenador da reunião, antes de sofrer convulsões, retoma aliviada a palavra, ensaia uma dinâmica, finge que ama e respeita todos.
A reunião prossegue e o lanche pedagógico com bolachinhas de loja e refrigerante pet, é disposto ao lado da sala da inquisição, ops, de reunião.
Ah! Mas tem também um saboroso cafezinho e quando se consegue transpor uma fila desabalada e esfomeada, o aroma dos deuses ainda está lá, geralmente para os polidos “do dedinho” já completamente rígido, estático, o que não importa mais, pois a pergunta que não queria calar calou-se, perdeu-se. Outras vieram e foram e o que importa agora é a espera pelo encerramento da reunião para procurar um fisioterapeuta para colocá-lo no lugar.
As conversas paralelas também são divertidas. Quem não deseja gritar, sequer mostrar o dedinho, investe nos colegas ao lado e assuntos fluem inclusive aqueles pertinentes ao tema.
Fim da reunião. Esperanças renovadas para alguns, gargantas embargadas para outros, dedos rijos para aqueles e a pergunta que paira no ar. Qual será a postura na próxima reunião?
Se me for possível fugir ao compromisso social exigido pela instituição na qual trabalho, optarei por dormir até mais tarde, embolar com os filhos na cama como gatos lambendo a cria, fazer um belo desjejum e sair um pouco, olhar o mundo, respirar gostoso e fazer coisas boas para mim.
De vez em quando, fugir para voltar é mecanismo vital.
Valéria Escobar
07/12/2007