Coração andarilho

Como se não bastasse ser inquieto e cheio de desejos, meu coração é andarilho numa alameda de sonhos. Vai de abraços com meus pensamentos. Juntos carregam o enfadonho vício de desenhar contornos em areia, que o vento tem pressa em apagar. Vigiam as ondas do mar e perdem-se no borbulhar das vagas, no incansável exercício de se propagar e fenecer.

Meu coração caminha a passos largos como quem tem pressa. Talvez não seja urgência, talvez seja medo de que algum recanto, alguma fresta, algum pequeno detalhe se perca de repente. Medo que o firmamento deste sonho se precipite, descortinando o despertar. Pois essa via de frondosas cerejeiras, que cintilam de rubro sob um sol de Rei, nasceu da planta dos pés do amor que visitou meus dias de só.

O tal ser, amado desde então, converte silêncio em sinfonia com um simples olhar, um gesto ou um sorriso sequer. E o que era árido e escuro ganha viço e luz. Cinge os olhos com rugas de alegria. Planta as ervas da saudade.

Vivas, e bem vivas, são as horas que permaneço em sonhos. Nelas estão o meu melhor sorriso, a paz do espírito, o meu mais intenso ardor. Limpas, e bem limpas, são as palavras que saem de minha boca, pois elas pronunciam o nome de um anjo e saúdam seus dias.

Não é só por sorte que se encontra uma gema preciosa num arroio de cascalhos. É preciso ter a intenção de encontrar. Ter os olhos vivos e a percepção aguçada para não dar indevido valor ao vidro como se diamante fosse.

De caminhar a caminhar esse coração se perde de todo. E que vá por aí, demorando a acordar. Que seja um sono profundo e perene, de olhos abertos nesse brilhante dia de Rei. Vingando assim os dias que sentiu dor, os dias que caiu de cansaço, os dias que chorou de amor.

Domm Paulo
Enviado por Domm Paulo em 23/02/2011
Reeditado em 23/02/2011
Código do texto: T2809278