O SARAU
 
Prólogo
 
 
                              Quando adolescente, na minha querida cidade São Sebastião, vez ou outra ouvia alguém falar até com certa esnobação que tinha participado de um sarau em São Paulo. Que declamou suas poesias. Outros contavam com ar de satisfação que tocaram e cantaram para os ricos da capital ouvir.
                              Curioso como sempre fui dava trela a esses tagarelas, querendo saber mais detalhes, pois almejava um dia poder vir a São Paulo a passeio ou até para trabalhar, e então participar desses tão badalados saraus. Coisa que não existia ou não se fazia lá pelas minhas bandas praianas.
                               Em 1.967 esse sonho virou realidade. Eu e a minha família viemos morar na Capital, onde ficamos durante uns quatro meses. Logo mudamos em definitivo para Poá-SP, cidade dormitório, que hoje faz parte da Grande São Paulo.
                              Certa vez em conversa com um amigo lhe falei do meu grande sonho de adolescente que era participar de um sarau. Muito gentil e solícito ele logo me indicou um local. Era na residência dos seus amigos no bairro do Pacaembu em São Paulo que vez ou outra rolavam essas reuniões. Quando lá cheguei à recepção foi calorosa e acolhedora. Povo bem bacana. Elitizado e educado.
                               No entanto achei aquele sarau monótono e cansativo, não obstante serem os anfitriões simpáticos e agradáveis. Vários poetas se revezavam, mas com POEMAS e CONTOS muito longos e repetitivos. Alguns sem conteúdo e até primários. Porem fiquei feliz, pois consegui realizar o meu sonho e matei a minha curiosidade.
                               Uma vez radicado na Grande São Paulo a vida transcorreu normal. Em 1.973 casei-me. Como se diz na gíria popular, dali em diante pendurei as chuteiras. Parei de tocar, inclusive profissionalmente. Também não escrevi mais poemas ou contos.
                               Em relação à música, poesia e arte fiquei inativas por mais de vinte e quatro anos.
                               Em 1.997 conheci o Francisco Araújo, no lançamento do seu primeiro CD [selo CPC-UMES], como solista de violão. Nos tornamos amigos e depois parceiros. Temos algumas músicas publicadas no meu site.
                               Daí, não mais resistindo à tentação, atacado de uma comichão mórbida resolvi voltar ao meio artístico. Recomecei agenciando a vinda do Francisco Araújo à Guarulhos-SP para mostrar a sua arte e aqui relançar o seu CD. Nota: Para o meu modestíssimo conhecimento, o melhor solista de violão da América Latina na atualidade. Não vejo ninguém com o talento e qualidade técnica dele.
                              Pesquisei e procurei bastante até que fui parar na Biblioteca Monteiro Lobato, onde então conheci o Aluísio que era o responsável pelo setor e o Tuchê que tinha um cargo de chefia na secretaria de cultura local. Lhes falei da intenção de trazer o Francisco Araújo para fazer um show no anfiteatro da biblioteca. Eles aceitaram com a condição de que a Prefeitura não pagaria Cachê. Mas que podíamos vender os CDs tranquilamente sem quaisquer ônus ou comissão.
                              Assim foi que definitivamente acabei novamente me envolvendo com a música, com a arte e com a poesia.
                              O Francisco Araújo fez o show. Graças a Deus coroado de êxito pois o objetivo maior que era vender e divulgar o seu CD foi alcançado.  
                              Dado o sucesso desse evento fui convidado e autorizado a promover outros. Por isso logo trouxe outros artistas para ali se apresentar. JÔ MARIANO, a cantora CLAUDETTE CORPO, um GRUPO DE CHORINHO e até eu me apresentei juntamente com o Francisco Araújo e a virtuosa percursionista KIKA VIANA. Àquelas alturas, isto em 1999, eu já estava envolvido até o pescoço com as atividades artísticas.
                              Em 1.999, como disse antes, já entrosado com o pessoal da cultura de Guarulhos, fui convidado para participar de um SARAU que rolava todas as quartas feiras a partir das 20h00 no saguão de entrada da biblioteca. Aceitei o convite e na primeira quarta seguinte eu lá estava para conferir.
                              Foi para mim uma grande surpresa esse SARAU. Não levei violão e nem me apresentei naquela noite. Apenas participei observando como era. Gostei muito de tudo que vi e ouvi. Um povo talentoso e simpático.
                              Conheci muitos poetas, músicos e cantores. Amadores e profissionais. Dentre tantas o Nelson Ribeiro, Zezinho França, Anízio Pereira, Jovem Cândido, as irmãs Anita e Izabel Borazanian, Ibrahin Cury, Tuca Pessoa e o jornalista e poeta CASTELO HANSSEN. O Castelo, como carinhosamente o chamamos, é sem dúvida nenhuma um ícone e a referência da poesia em Guarulhos.
 
O SARAU PROPRIAMENTE DITO
 
                             A prática de SARAU é milenar. Os aristocratas há mais de mil anos já se reuniam em suas mansões e palacetes, onde apresentavam aos seus convivas os dotes artísticos dos seus filhos, netos, sobrinhos, parentes e apadrinhados em geral. Essas reuniões eram festivas e cem por cento dos freqüentadores eram a casta da sociedade. Porem em alguns momentos a realização desses saraus tinha outros interesses.
                              Os poetas, músicos e artistas eram muito bajulados. Alguns tinham talentos dignos de aplausos. Outros porem eram aplaudidos por educação e respeito que os convidados tinham pelos seus anfitriões.
                              Bem, cheguei ao ponto onde pretendia.  
                              O SARAU de antigamente variava de acordo com as posses e o prestígio do seu organizador. Poucos poetas e artistas se apresentavam. A rigor no máximo três. Diferente dos nossos saraus de hoje em dia, onde quase sempre comparecem mais de vinte participantes ativos. No mais quase não se divergem.                      
                              Aqui em São Paulo e grande São Paulo realiza-se saraus pelos quatro cantos, trezentos e sessenta e cinco dias por ano. Alguns deles excelentes, tanto pelo seu formato, quanto pela qualidade técnica, cultural e alto nível dos poetas, músicos e artistas que se apresentam. Outros porem deixam muito a desejar.
                              Infelizmente, sem generalizar, grande parte dos poetas são desunidos. Engraçado isso, mas é verdade. Até nisso somos ou praticamos saraus iguais aos de mil anos atrás. Sabem por quê? Porque o nosso ego é tão grande quanto a nossa insegurança. O nosso orgulho não nos permite abrir mão da nossa vez aos nossos colegas poetas, achando que se perdermos uma oportunidade outras não virão.
                              Gostamos muito de poetar e estamos sempre prontos para mostrar a todos os nossos poemas e o nosso talento. Mas na vez dos outros não lhe damos ouvidos ou a mínima atenção.
                              Exemplo disso é que eu tenho freqüentado com assiduidade alguns saraus e observo que os mesmos sempre começam com bom número de público, umas quarenta, cinqüenta ou mais pessoas.
                              Os poetas e artistas que se apresentam logo de início, até mais ou menos a quinta ou sexta apresentações, gozam dos aplausos da casa cheia.
                              Entretanto esses privilegiados que se apresentam primeiro, sem a menor consideração e respeito pelos demais colegas vão abandonando o recinto e dessa forma quando o trigésimo desses poetas e artistas vai se apresentar, a casa já está vazia, com menos da metade dos participantes iniciais.
                              Embora por outros motivos que não eram tão democráticos, pois até onde eu sei, quando um aristocrata convidava um cidadão para uma reunião festiva ou de qualquer natureza em sua mansão ou palacete, e este convidado aceitava, lhe era exigido que ficasse até o final, sob pena de desconsideração. Portanto mesmo não gostando o cidadão se mantinha no local até o desfecho do assunto ou o final da festa.
                               Como pelas Leis Divinas temos o livre arbítrio e também porque vivemos em um país onde existe e praticamos um arremedo de democracia, alguns poetas e artistas abandonam os saraus e os seus irmãos poetas POETANTO para o vento ou para as mobílias que compõe o ambiente assim que acabam de se apresentar. Uns até com justificativa plausível avisam antes e ao final elegantemente se despedem dos demais. Porém outros apenas por não dar valor e não prestigiar os seus colegas de missão sai de fininho, sem se despedir de ninguém.
                               SIM, ser poeta e poetar por aí, antes de ser um dom que Deus nos deu, é uma missão.
                              O presente texto não tem o condão e nem a pretensão de criticar quem quer que seja.
                              Tem sim como objetivo principal, alertar os poetas, músicos e artistas de todos os gêneros da necessidade de continuidade dessa prática milenar de confraternização dos povos, que é o SARAU. Pois assim estamos sempre em contato com a cultura, o saber, o romantismo, a alegria, a paz e o amor.
 
 
 
Nota:
 
Dizem as más línguas que os bêbados são extremamente desunidos. Começam bebendo juntos, riam, cantam, contam piadas, brincam de todas as formas possíveis e imaginárias. Isto, porém até que um deles já esteja nas alturas. Daí em diante ninguém se entende mais. Um bêbado sai falando mal do outro. O outro fica repetindo as mesmas coisas duzentas vezes. O amigo que veio para o bar beber junto sai em debandada deixando o outro se arrebentar pelas calçadas, etc. e tal.
“Por isso costumo também brincar que os poetas são mais desunidos do que bêbados. Não se preocupam uns com os outros. Mesmo rezando pelo mesmo santo, com os mesmos ideais”