Foi em Fevereiro
(Pelo querido Professor, um amigo - Academia da Bola - academiadabola.wordpress.com)
FOI EM FEVEREIRO
Pelé nasceu em outubro de 1940 e fez o seu último jogo oficial em outubro de 1974. Maradona nasceu em outubro de 60 e parou de jogar em outubro de 97. Coincidência? Como se queira, mas outubro não é o mês da bola, pelo menos não no que nos interessa agora, e nem jogar no Cosmos pode ser considerado oficial, pelo menos não para Pelé. Fevereiro é que tem chamado a atenção. E de atenção é o que a gente precisa agora: sabe aquele complexo que o politicamente correto não deixa tratar em público?, pois é, fevereiro se aproveita que não tem moral e, chutando o carnaval pra lá, trouxe Ronaldo, que nasceu em setembro, para fora dos gramados. Nada prende mais a atenção no mundo robusto do Século XXI do que a pessoa. A função do coletivo hoje é chacoalhar pro rebolado do indivíduo. “Big Brother” se não é o sujeito em apuros ante um coletivo presente a ser eliminado, e a outro coletivo, invisível, porém, opressor? Hilário notar que a tal natureza humana defendida pelos céticos de veia acaba se refletindo, aos olhos da TV, pela espontânea e urgente ação dos indivíduos em se coletivizar, quando entram na casa do BBB, buscar proteção, atar com o humano. O que seriam as tais “panelinhas”, afinal?
Sabe-se lá, o que importa é ver o ocidental satisfeito: fale do eu. E Ronaldo o fez. Claro que foi emocionante vê-lo dar adeus aos gramados em entrevista coletiva, óbvio que foi espetacular ser telespectador desse cara fantástico dentro da área, tão fantástico quanto tê-lo acompanhado poucas vezes das arquibancadas e outras duas tão próximas que até houve aperto de mão. Esse cara é um divisor de águas pro mundo da bola. Afinal, o “jogador-produto” que vinham desenhando tinha uma cara séria, de um cumpridor de funções com pose de operário-padrão cult. Daí um dentuço atravessou a parede de vidro dos marqueteiros com um futebol moleque e na genialidade de remeter a Pelé. Em poucos anos, moleques de qualquer canto do planeta sorriam com objetivo de mostrar os dentões quando realizavam alguma proeza. Pelé foi o primeiro grande craque-atleta do mundo da bola, justo numa época em que muita técnica geralmente vinha acompanhada de pouca atlética. E Ronaldo foi o primeiro grande craque-marketing de proporção universal, o primeiro ídolo brasileiro fabricado quase que na totalidade fora do Brasil. O 10 e o 9. Mas para voltarmos a outros hemisférios, o lado ocidental de Ronaldo está realizado, aposentadoria das mais abonadas, reconhecimento, influência: é um dos três rostos mais conhecidos do mundo: existe fã da Lady Ga Ga que não sabe identificá-la o rosto, mas reconhece o Ronaldo. Quanto ao lado oriental, se é que assim podemos dizer, o do Fenômeno também se cumpriu: habilidade, presença em campo e poder de definição muito acima das médias históricas do futebol – maior artilheiro das Copas do Mundo, gols em final, dois títulos.
Ocorre que, no combalido das emoções, a dureza da realidade falou por si, eis que o agora ex-jogador soltou: “perdi para o meu corpo”. O físico extenuou. Espera aí, há um equívoco primordial nessa frase. Quem perdeu para quem? Espere um pouco só.
Antes, voltamos a fevereiro, pois se tornou o tempo das renúncias. Roberto Carlos, o lateral, garantiu que ficava em seu clube durante o almoço. Na janta, já pertencia a um clube russo. Neste caso, quem renunciou: o jogador ou a palavra? Da mesma maneira que fevereiro, no alto dos seus 19 dias de 2008, foi palanque para Fidel Castro abrir mão do poder, e a democracia acenar o sorriso para o povo cubano. Mas voltamos ao nosso fevereiro, e aí topamos com comentaristas encantados com o poder das redes sociais da internet como estopins de revoluções no mundo islâmico, árabe ou egípcio, e a radiante oferta de democracia que a juventude de lá espontaneamente resolveu espalhar. Como algo novo, irreal para os desejos daqueles povos. Cuba é um caso ocidental, mas apenas o xenófobo espectro que nos ronda (enquanto sujeitos modernos do Ocidente) é capaz de se surpreender com a onda por anseios democráticos e ainda não notá-la como algo quase universal ao Século que está no início. Não é de hoje que o mundo muçulmano é visto desse nosso lado como apenas uma experiência bombástica a se realizar, por mais que a história formal das escolas nos ofereça uma grande série de conhecimentos sobre as riquezas e complexidades culturais daqueles povos. Fidel anunciou o Século XXI, e só não vê o Oriente como reflexo disso quem se apoia apenas nas linhas do que observa: precisa do Big Brother das coisas. Talvez fevereiro, enjoado por ser um mês restrito em 28 dias e alguns parcos dias bissextos, resolveu mostrar para o mundo a sua real vocação: ser menor, nem por isso, menos importante. E nem é papo de trópico bobo. Bem como não foi o Facebook o difusor de um novo sentimento antigo, mesmo assim, os massivos protestos derrubaram a tirania de Mubarak. O indivíduo político quer determinar o todo, o sujeito está identificado: a pessoa e o seu universo.
O fato é que Ronaldo, nesse fevereiro de 2011, pendurou as chuteiras. Está no panteão de Pelé e Maradona. Assim marcou esse fevereiro no mundo da bola, pois, no mundo lá fora, os muçulmanos querem votar. E tem gente surpreso com isso. Tudo bem, pleno Século XXI e a gente ainda acredita nas promessas dos jogadores.
Pois é, o mundo mudou, fevereiro cresceu. E para que não passemos por passados, caro amigo Ronaldo, você não perdeu paro o seu corpo coisa nenhuma! Aqui caberá sempre uma licença mítica da sociedade atual, o Ronaldo, aquele a quem nos referimos, nós comuns e você também, aquele Ronaldo, personagem, a quem elogiamos ou questionamos pela entidade que se configurou: use “aquele” ao se referir àquele Ronaldo dos gramados. Ele perdeu para o seu corpo. Decerto, para o mito e vai o cara. Você é apenas o corpo que sustentou aquele Ronaldo, um corpo de pés, tronco, cabeça. Um mito. Tome a licença de Pelé, que se refere ao Edson como uma figura distinta: se fevereiro está com esse poder todo, por que você, Ronaldo, como centro real da pessoa em questão, não redefine quem é quem?