Os Arautos de Aruã.
-Quando o sol se pôs no Rio Negro, a população da mata se manifestou. Muitos sons vindos dos bichos e das aves eclodiam mata adentro e levavam a mensagem a todos os seus habitantes de que a noite havia chegado e, com ela, a caça pela sobrevivência.
-Quando o sol se pôs no Rio Negro, a população da mata se manifestou. Muitos sons vindos dos bichos e das aves eclodiam mata adentro e levavam a mensagem a todos os seus habitantes de que a noite havia chegado e, com ela, a caça pela sobrevivência.
Era algo natural e nada poderia mudar a ordem das coisas. Bichos rastejavam buscando o que comer para si e seus filhotes, outros pulavam de árvore em árvore na empreita de encontrar também o alimento. Aves percorriam as matas, algumas paravam em seus ninhos, outras buscavam o alimento nos demais ninhos, na ausência dos donos do lugar. Os alimentos eram necessários para a continuidade da cadeia alimentar e todos entendiam e aceitavam bem este fato, a natureza impõe a compreensão.
As águas do Rio Negro estavam começando a subir, pois iniciava-se, assim, a estação das chuvas na região Amazônica e também porque o degelo dos Andes, naquele ano, parecia que ocorrera mais cedo e com mais intensidade.
O nível do rio sobe vários metros, alcançando sua máxima entre os meses de junho e julho.
O pico coincide com o ¨verão amazônico¨ e, após, começa a baixar até meados de novembro, quando novamente inicia o ciclo de cheia.
Estes ciclos é que fazem a riqueza da fauna que cerca o rio. A floresta Amazônica tem cerca de 5,5 milhões de Km2; destes, 60% correspondem à Amazônia legal, que está dentro do território Brasileiro, abrangendo os Estados do Amazonas, Amapá, Mato Grosso, oeste do Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Neste ambiente, aparentemente hostil e perigoso, habitava num pedaço desta selva, uma tribo, de índios mansos, que amavam aquele ambiente. Nada conheciam ao redor; viviam da caça e do cultivo próprio dos alimentos e aravam, de forma rudimentar, alguns acres de terra. Não conheciam outra forma de sobrevivência a não ser aquela.
Esses indígenas sabiam da existência de outras tribos, porque alguns se foram. Outros foram expulsos da comunidade e vagaram até habitar novos espaços e recomeçaram uma nova tribo. Na realidade, começavam ali uma extensão da anterior, porque a linguagem era a mesma,os hábitos também, apenas eles sabiam que estavam impedidos de voltar à tribo onde nasceram e tinham que recomeçar e ficarem ali até morrer.
Alguns da tribo originária se ressentiam da partida destes. Não compreendiam a necessidade de se ausentarem. Tudo o que era necessário à sobrevivência era disponível. Caça e pesca fartas , além de cultivo de alguns alimentos. Por que o desejo de mudar?O que de diferente iriam encontrar partindo? Faziam falta para a maioria. Entretanto, ficar insatisfeitos não era saudável para a tribo. Cada um procura seu caminho. Por mais simples que fossem, por mais primitivos , uma regra de "civilização" era respeitar o desejo do outro. Para alguns as partidas eram atos de coragem. O novo sempre é desafiante. Para se descobrir outras formas de viver se corre riscos de sofrimentos, mas também nos novos enfrentamentos estão embutidos possibilidades de momentos felizes. Só arriscando é que se pode ou não desfrutar do belo o do bom.
Mesmo que os que desafiaram a ordem de permanência e preservação dos costumes, mesmo repetindo hábitos e costumes, estes índios transgressores estavam mais felizes por terem dado passos para a mudança .Entretanto, o cenário da selva continuava o mesmo, com os pássaros, os animais, as águas transparentes do rio a darem vida às novas tribos e colorido à vida.
No entardecer, os índios da aldeia queimaram algumas palhas e pilhas de galhos que encontraram pelo caminho e que haviam trazido junto com a caça para a aldeia. Elas serviriam de combustível para o fogão rudimentar à lenha. O cheiro da mata misturado à fumaça impregnava o local. A densa neblina começava a cair. Em uma das palhoças, uma mulher índia se contorcia de dor e, ao seu lado, o pajé dava suas baforadas e rezava, para evocar a proteção divina para aquela criança que iria nascer. Pedia que os espíritos do parto protegessem a mãe e a criança; ele sabia que estava escrito o destino do mais novo membro da aldeia, espíritos de luz pairavam sobre a tenda e, aquela índia, de cócoras, se contorcia de dor, aguardando que a mãe natureza fizesse a sua parte. Nasceu Aruã.
O choro foi leve, quase imperceptível. A mãe teve que sacolejar um pouco o bebê para que ele desse sinal de vida. Fez-se um choro leve; o barulho maior era do lado de fora da tenda. Rodeada de muitos membros da tribo, o pai começou a dançar e colocou os braços para cima em direção aos céus; um menino nasceu, agora, ele teria com quem caçar.
Aruã gostava de participar de todos os ritos da tribo, porém o que mais gostava era de escutar o seu avô. Índio sábio e que outrora fora o melhor guerreiro da tribo, aquele velho homem, havia há muito tempo trocado a valentia pelo saber da floresta. Havia aprendido que há o tempo de ter coragem e enfrentar as adversidades e os bichos. A caça nada mais era do que o alimento para os seus; sendo assim , caçava apenas o que precisava. Sentia-se feliz dessa forma, porque respeitava o que a floresta oferecia.
Um dia, quando ficou cara a cara com uma onça, buscou a sua lança e percebeu rapidamente que ela estava deitada sobre uma pedra, a uns 5 metros de distância. Havia colocado a lança exatamente naquele local, enquanto fora buscar uma sacola para guardar algumas frutas que haviam caído do pé de manga.
Naquele momento, algo muito estranho aconteceu, virou-se para procurar a lança e a onça se movimentou em direção à ela. O animal se posicionou entre o índio e a lança. O índio assustado pensou em subir no pé de manga, mas sabia que seria facilmente alcançado pelo animal. Parou e fitou os olhos do animal, tentando não demonstrar medo. Sabia que o felino, sentindo o medo na sua presa, atacaria sem piedade.
Ocorreu que a onça apenas o encarou; predominou um silêncio absurdo naquela imensidão de floresta, enquanto o felino fez um leve movimento com a cabeça em direção ao lado esquerdo, como se indicasse para ele um caminho de fuga que seria respeitado.
O Guerreiro confiou naquele gesto e saiu caminhando com calma, não olhou para trás, confiou em seu instinto e, também, naquele que seria,a partir de agora, a sua razão de deixar de ser um caçador predador porque, até então, matava por prazer, para ser respeitado na sua comunidade. Naquele momento,havia prometido para si mesmo que, se o animal não o atacasse, passaria a respeitar mais ainda qualquer forma de vida, humana ou animal. Se está na floresta é porque tem um propósito, devendo ser preservado e respeitado pela vontade do Grande que habita os céus.
Aruã gostava muito de ouvir aquelas histórias de seu avô. Uma noite, após ter brincado bastante,tinha chegado a hora de aprender com os mais velhos. Havia uma roda dos índios anciãos ,na qual gostava muito de sentar e ficar ouvindo os mais velhos. Todos contavam suas histórias sobre as suas caças na floresta e seus aprendizados. Quando chegou a vez do seu avô falar, prestou mais atenção ainda e ouviu o velho contar a seguinte história para ele:
- A batalha é entre os dois lobos que vivem dentro de todos nós. Um é Mau - É a raiva, inveja, ciúme, tristeza, desgosto, cobiça, arrogância, pena de si mesmo,culpa, ressentimento, inferioridade, orgulho falso, superioridade e ego.
O outro é Bom - É alegria, fraternidade, paz, esperança, serenidade, humildade, bondade, benevolência,empatia, generosidade, verdade, compaixão e fé
O outro é Bom - É alegria, fraternidade, paz, esperança, serenidade, humildade, bondade, benevolência,empatia, generosidade, verdade, compaixão e fé
O neto pensou nessa luta e perguntou ao avô:
- Qual lobo vence?
O velho índio respondeu:
O velho índio respondeu:
- "Aquele que você alimenta!"