Somente duas calças compridas
Andava pelas contas dos 21 anos de idade e precisava trabalhar. Saía todas as manhãs para a corretora de imóveis, onde o salário era pequeno, mas o respeito imperava. Não tinha mais do que duas calças compridas, do mesmo modelo. Quando lavava a preta usava a marrom e vice-versa.
Naquela manhã que ainda não revelara o sol, lá fui para os meus deveres. O mesmo trajeto de sempre, as mesmas pessoas. Ao dobrar a primeira curva enxerguei os dois rapazes que sempre estavam por ali consertando carros e apreciavam silenciosos meu desfile natural.
Ao passar, escutei a queima roupa: - Ela é linda, mas só tem duas calças – uma preta e uma marrom.
Senti uma dor no peito e o rosto enrubesceu de vergonha. Perdi o passo. Senti-me relaxada e suja. Pobre. No dia seguinte mudei o trajeto, bem mais longo. No primeiro salário gastei um dinheirão num conjunto branco: calça de corte bonito e blusinha de renda, muito feminina, bem curta, que deixava à mostra a barriguinha bronzeada. Comprei um cinto e um bracelete de metal dourado bem na moda à época. Sem dinheiro suficiente para chegar até o final do mês, fiz sucesso com aquela roupa e voltei a passar pelo mesmo caminho, mas somente uma vez, porque não teria outras roupas diferentes para os dias seguintes.
Quase quarenta anos depois pergunto-me a razão daquela atitude, se o que sempre desejei foi que admirassem minha essência – aliás, meu grande patrimônio, até hoje. Sem resposta, percebo que os valores estéticos incorporaram-se ao ser humano irreversivelmente. O resto é acessório démodè. E a tendência é piorar.
Andava pelas contas dos 21 anos de idade e precisava trabalhar. Saía todas as manhãs para a corretora de imóveis, onde o salário era pequeno, mas o respeito imperava. Não tinha mais do que duas calças compridas, do mesmo modelo. Quando lavava a preta usava a marrom e vice-versa.
Naquela manhã que ainda não revelara o sol, lá fui para os meus deveres. O mesmo trajeto de sempre, as mesmas pessoas. Ao dobrar a primeira curva enxerguei os dois rapazes que sempre estavam por ali consertando carros e apreciavam silenciosos meu desfile natural.
Ao passar, escutei a queima roupa: - Ela é linda, mas só tem duas calças – uma preta e uma marrom.
Senti uma dor no peito e o rosto enrubesceu de vergonha. Perdi o passo. Senti-me relaxada e suja. Pobre. No dia seguinte mudei o trajeto, bem mais longo. No primeiro salário gastei um dinheirão num conjunto branco: calça de corte bonito e blusinha de renda, muito feminina, bem curta, que deixava à mostra a barriguinha bronzeada. Comprei um cinto e um bracelete de metal dourado bem na moda à época. Sem dinheiro suficiente para chegar até o final do mês, fiz sucesso com aquela roupa e voltei a passar pelo mesmo caminho, mas somente uma vez, porque não teria outras roupas diferentes para os dias seguintes.
Quase quarenta anos depois pergunto-me a razão daquela atitude, se o que sempre desejei foi que admirassem minha essência – aliás, meu grande patrimônio, até hoje. Sem resposta, percebo que os valores estéticos incorporaram-se ao ser humano irreversivelmente. O resto é acessório démodè. E a tendência é piorar.
Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 2011 – 3h16