A borracha de apagar erros do passado

A borracha de apagar erros do passado

Certa vez recebi uma carta de uma amiga, e nela, algumas coisas me deixaram “pouco a vontade”, de certa forma.

Ela perguntou se eu já havia me arrependido de algo que fiz na vida. O que me fez lembrar de coisas dolorosas, antigas e novas. Depois, questionou a sublimidade do amor e a existência da felicidade. Para em seguida pedir-me que a ajudasse a encontrar uma borracha que apagasse os erros cometidos no passado.

A dor em suas palavras era quase palpável, pulsante. E como ajudá-la sem obrigar-me a uma catar-se, sem confrontar meus próprios erros, sem recordar mágoas de supostos amores. E sem decepcioná-la, assim como a mim, por saber que tal borracha não existe. E que o arrependimento é como uma cicatriz em nossas almas.

Já não me cabe mais o discurso juvenil de que: “não me arrependo de nada que fiz”. Cometemos erros de diversas formas, tamanhos e espécies, assim também são as conseqüências. Lembro-me de quando era criança ter matado com um estilingue um pintassilgo. Chorei por dias, orei pedindo perdão a Deus e nunca mais matei um pássaro em minha vida. Lembro-me de, na adolescência, ter ofendido minha mãe com palavras tão duras que a fiz chorar muito. Arrependi ao vê-la sofrer, pedi perdão, orei, fui perdoado. Mas não posso mudar o passado. Não posso apagar a vergonha que sinto por cometer tal ofensa. E com ela continuarei a conviver.

Arrependimento é diferente de remorso. Quem se arrepende toma a direção contrária do erro cometido. O remorso é apenas autopunição. Poderia apenas aconselhar a minha amiga que não cometa os mesmos erros, ou que use essas experiências para ajudar outras pessoas a nunca comete-los. Mas na prática, a dor por vezes nos consome. As consequencias, nossa consciência, nossos conhecidos, ou a própria sociedade nos fazem frequentemente relembrar de forma punitiva os erros de nosso passado. Mas, sim. Há uma “solução”. Há uma resposta.

Buscamos incessantemente o amor sublime e a felicidade, sem perceber sua ligação intensa com nossas falhas, com as “faltas” de nossos amados e com a dinâmica da vida. Essa lógica se traduz em uma palavra: equilíbrio.

Amor e felicidade não são conceitos estáticos. Viver é um desafio diário, que nos move a cada momento, independente de serem bons ou maus. Assim são nossos sentimentos. Assim é quando amamos alguém, assim é quando perdemos alguém. Essa busca que aflige nossas almas românticas desde a antiguidade deveria ser traduzida pela busca do equilíbrio.

O que faremos ou fizemos, o que somos, fomos ou seremos, se traduzirá em vitória ou derrota à medida que nosso equilíbrio interior e nosso respeito por nos mesmos se transformarem em atitude.

Não existe uma borracha que apague os erros de nosso passado. Mas não faltarão instrumentos para escrevermos o nosso futuro.