O Fantasma da Esperança
Uma das características míticas do brasileiro é a tal da esperança. Ela flutua no imaginário e no coletivo da nossa sociedade de maneira quase espiritual. Para uns, mais identificados com o que se espera da tipicidade tupiniquim, ela assume um ar de fé, de crença quase religiosa. Acaba virando aquela coisa sobrenatural em que se escoram com simplicidade e credulidade muitas e muitas pessoas. Para outros, ela é outra coisa. Entre esses outros, há os que se rebelam em vestir a carapuça das características que nos são impostas. Temos os que não conseguem ver graça no pacote samba-praia-carnaval-futebol. Engrossam o time os que cospem no prato que comem porque nele acabam vendo mais jiló do que filé mignon. Tem também a turma que cresceu influenciada pelo pensamento de que “lá fora” tudo é melhor, como se lá vivessem seres de outro planeta, incapazes das mesmas mediocridades que nós. A todo esse heterogêneo apanhado de revoltados com o ser brasileiro, a esperança é mais uma das características que gostam de desprezar, por força da política de suas preferências.
Daí que toda vez que há uma mudança de governo, de presidente, de síndico do prédio, de técnico do clube de futebol, de gerente na empresa, de vereadores, prefeitos ou deputados, a esperança volta a baixar nos terreiros. A esperança boazinha e etérea, quase inacreditável daqueles primeiro grupo, ou a maldita esperança fantasma, aquela que os do segundo grupo se esforçam para odiar como parte do ser coletivo tupiniquim terceiro-mundista que eles amam odiar. E em qualquer um dos casos, há razão para tal. A esperança é etérea nos dois casos, intangível e inócua. Ambos estão com razão, um por acreditar na esperança como uma superstição, e outro por desacreditá-la como uma balela. Ambos acertam porque se analisarmos como a coisa toda funciona, não há espaço para esperança quando se fala de política – de qualquer tipo não só a governamental – no Brasil. Somos um país político, e política e esperança não são excludentes, apenas profundamente incompatíveis.
O Brasil é um país planejado. Muito bem planejado, diga-se de passagem. Para dar certo pra poucos e errado para muitos, e funciona como um relógio. E é justamente no funcionamento desse relógio que a tal da esperança tem apenas uma função decorativa, jamais interferindo com a máquina. Até a esperança foi planejada para ser como é por aqui. Vivemos em um país fundado em alicerces sólidos. Alguns desses alicerces atendem pelos nomes de burocracia, favorecimento, paternalismo, visão de curto prazo, nepotismo, desprezo à meritocracia, corrupção endêmica, “puxa-saquismo” e “quem indica”. São conceitos que passaram (e continuam) incólumes por toda a História da Terra Brasilis, da colônia à república. Não espanta que nenhum tipo de esperança, desejada ou não, consiga sequer arranhá-los.
Como é típico dos que pretendem olhar de fora, não me arrisco a tomar partido de nenhum dos dois grupos que abordam de maneira oposta a esperança que existe de que tenhamos dias melhores, seja em casa, seja na cidade, seja no país. Só consigo pensar que o sistema só muda de dentro. E como todos nós continuamos os mesmos, sejam os resignados, sorridentes e bovinos da massa de manobra, sejam os revoltadiços, os pirracentos e tantas vezes equivocados que dizem odiar isso aqui como adolescentes brigando com os pais, não vejo mudança tão cedo. Até nisso o projeto foi terrivelmente bem construído. Cabe o contentamento com pouco de uns, o descontentamento inócuo de outros, e a eterna permanência do status quo do projeto original: explorar, destruir, sugar tudo que há de bom, não ver o que poderia ser muito melhor, e ir gastar tudo lá fora, provincianamente. E assim segue o carro de boi, mais de quinhentos anos depois.