Meus quase setenta natais

Este será o meu ultimo Natal, antes de completar os setenta anos de minha nem sempre feliz existência. A partir do ano vindouro, serei, definitivamente, um “velho”. Um ancião que já percorreu quatro das seis estações que compõem os tortuosos caminhos dos “enta”.

Muitos alcançam os quarenta degraus da escala existencial com facilidade; poucos, todavia, conseguem chegar ao último patamar, os noventa anos. Sair deles não é proeza para qualquer um. A esses felizardos, Deus concedeu boa saúde e energia vital para a exaustiva caminhada, enquanto eles próprios regraram o comportamento buliçoso, a fim de alcançarem a longevidade. Às vezes, o privilégio de uma vida duradoura é patrocinado pela genética, de bons resultados, inacessíveis à maioria dos mortais.

São decisões do Criador, chamar prematuramente para o seu convívio alguns de seus entes queridos. Meu pai foi um deles. Morreu aos vinte e nove anos de idade, deixando-nos para percorrer, em seu lugar, o caminho dos enta que sonhara trilhar acompanhado da jovem família.

A morte foi implacável.

Ceifou-lhe a vida nos primórdios da existência.

Negou-nos o prazer de sua companhia.

Meu pai, minha mãe, meus dois irmãos e eu passamos poucos Natais juntos; apenas seis; em dois, fomos impedidos de nos abraçar. A doença contagiosa que acometeu o meu genitor impedia-nos de nos aproximar dele, provocando-nos grande ressentimento. Como filho mais velho, coube-me pagar a dolorosa fatura da separação. A pouca idade de meu segundo e terceiro irmãos amenizou-lhes o sofrimento da ruptura familiar. Quanto à minha mãe, há dezesseis anos juntou-se a meu pai em sua morada eterna. Hoje, do alto dos céus, contemplam felizes momentos como este.

Setenta anos, completarei em seis de janeiro. Alquebrado pelo peso dos anos, temo não dispor de dias suficientes para comemorar com a família os Natais que se seguirão.

Gostaria que fossem muitos!

Feliz por ver a família reunida em torno da Bíblia Sagrada, na presença augusta de nosso Senhor Jesus Cristo, desejo fazer algumas confissões e pedir perdão aos que tenha, involuntariamente, magoado.

Reconheço meu temperamento difícil. Não nego a rabugice, o destempero, o nervosismo e o excesso de recomendações que me acometem, empanando nosso convívio familiar. Reclamo, discordo, exalto-me e faço recomendações às vezes insistentemente, por desejar o bem de minha estimada consorte, de meus filhos, genros, nora e netos.

Eu os amo profundamente. Estimo-os como bens preciosos; considero-os a razão de meu viver. Pode parecer contraditório para quem me ouve reclamá-los com tanta veemência, mas, creiam, procedo assim para o bem de todos.

Meus filhos, nora e genros, nunca desejei magoar-lhes. Não tive o propósito. Acreditem! As insistentes reclamações que lhes fiz – e que por certo ainda as farei –, objetivam despertar-lhes a atenção para não repetirem o que possa prejudicá-los. O castigo paterno poderá ser contundente, mas não deixa marcas indeléveis. Assim como a dor cede à ação de potente anestésico, as mágoas se dissipam com o pedido de perdão, como lhes faço agora.

Perdoem-me!

Aos meus queridos netinhos, quatro joias de minha modesta coroa, também lhes peço mil desculpas. Perdoem-me, meus amados rebentos! Vovô Lamércio é chato, ele o sabe. De tudo reclama; em quase tudo acha defeito; de nada se agrada. Mas ele os ama do âmago do seu velho coração. Doravante, prometo ser mais complacente; reclamarei menos a alegre bagunça que vocês fazem. Tê-los-ei, como sempre, guardados neste coração septuagenário, amando-os cada vez mais, recomendando-os ao Senhor Jesus, ajudando seus pais a orientá-los para a vida. Garanto-lhes amá-los eternamente, mesmo quando, do Alto, estiver a contemplar-lhes a vida saudável que tanto peço ao Senhor para lhes conceder.

Aos demais parentes e amigos, caso os tenha incomodado com minha rabugice, com meu destempero, com a impertinência própria de velhos como eu, desculpem-me! Não tive intenção de magoá-los. Eu também os amo. O meu amor, embora seja de difícil constatação, é suficiente para compartilhá-lo com todos vocês.

Minha querida esposa! No alvorecer do nosso idílio, recitei-lhe estes versos enamorados:

Do âmago do peito sinto arder,

Uma paixão desnuda e forte,

Desejando um dia aparecer,

Em minha vida, tu, como consorte!

Eu te amo! Sempre te amei! Amar-te-ei por toda a minha vida! Não me desculparei diante de ti, pois acho que jamais te magoei. Ofender-te seria um despautério que jamais cometerei. Em meu coração só existe espaço para te amar. Acredite no velho Lama, que embora rabugento, não mente, como disse às crianças.

Finalmente, desejo um Feliz Natal para todos, com as graças de Jesus, o aniversariante de hoje.