Padrão de convivência
José Eduardo, conhecido dos íntimos por Zezinho, rico comerciante do ramo de eletrodomésticos e próspero industrial da área de alimentos à base de trigo, também era proprietário de outras empresas, de variados ramos de atividade. Apoiavam-lhe na condução dos negócios os dois filhos mais velhos, José e Analice.
José herdara o nome do pai, por ser seu primogênito. Analice homenageara, com seu prenome, a mãe, Ana Cristina, e a avó, Alice Beltrão. O rapaz administrava uma rede de supermercados na periferia da cidade, e a moça, meia dúzia de lojas de cosméticos, franqueadas de uma organização estrangeira.
Os negócios da família iam bem. A gerência era exercida mediante aplicação de modernos procedimentos administrativos; a política de compra dos produtos ofertados obedecia a critérios seletivos de fornecedores, e a austeridade nos gastos operacionais recebia policiamento constante para não exorbitar dos valores estipulados para cada departamento.
José Eduardo comandava a rede de eletrodomésticos. Eram muitas as lojas que visitava com a frequência de um jogador inveterado às mesas de carteados. Em suas inspeções, sempre se fazia acompanhar de um auditor interno, de quem recebia substanciosos relatórios sobre a segurança e a proteção de seus ativos.
Aos sessenta e oito anos de idade, dinheiro “saindo pelo ladrão”, Zezinho resolveu adquirir um pequeno estabelecimento bancário. Ao fazê-lo, mudou-lhe a denominação. O novo empreendimento passou a chamar-se Banco Pan-Tofágo S.A. José Eduardo pretendeu dar-lhe um significado mais real. O prefixo Pan é um adjetivo originado do grego e quer dizer “senhor de tudo”, enquanto a palavra “pantófago”, segundo os dicionaristas, trata-se de adjetivo masculino e tem por sentido aquele “que come de tudo, indiscriminadamente”.
Esse era o propósito do empresário, ou seja, abocanhar boa parcela da renda de seus clientes. Para acentuar-lhe o marketing, separou com hifem a expressão pantófago, que também pode ser traduzida por “comilão”, concluindo o agressivo significado da instituição bancária.
Zezinho desejava que seu banco atuasse em todas as áreas da economia: empréstimos, investimentos, administração de fundos financeiros, cobranças de títulos, depósitos e diversos produtos do seu copioso e rico cardápio de opções de negócios. Como sugere o próprio nome, a instituição incorporada ao seu aglomerado empresarial “comeria” de tudo, principalmente as economias de trabalhadores necessitados, com a “corda no pescoço”, cujos empréstimos seriam descontados em folha de pagamento, autorizados pelo presidente da República, seu amigo do peito e de quem se dizia admirador inconteste.
Para justificar a amizade que o presidente nutria pelo empresário, uma empresa pública adquiriu 49% do capital da agora Pan-Tofágo, para sustentar-lhe o equilíbrio financeiro, um tanto desfalcado por improbidade de seus antigos dirigentes.
O filho de José, o Zé Pequeno, assim chamado por ser de baixa estatura, gostava de entrevistar os novos funcionários das empresas do grupo. Do alto de sua autoridade, interpelava os subalternos fazendo-lhes perguntas, às vezes, constrangedoras. Insistia na boa aparência, na postura dos corpos, na elegância do andar e até na maquiagem das jovens empregadas. Não permitia aos homens o uso de brincos nas orelhas nem as tatuagens que julgava vulgares.
Zé Pequeno era o segundo na hierarquia empresarial. Desfrutava do apoio irrestrito do pai, que acatava suas opiniões como advindas de sábio administrador. As decisões tomadas por ele eram cumpridas à risca. O rapaz tratava seus empregados pelo sobrenome. Dizia que o prenome das pessoas, quando pronunciado, as tornava muito familiares. Ele insistia em colocá-los em seus devidos lugares.
Em certa tarde, o jovem administrador entrevistava um funcionário recém-admitido, um homem grandalhão, pesando mais de cem quilos, depositados em seus quase dois metros de altura.
– Qual o seu nome?
– Alceu! – respondeu o outro.
– Não sei onde o senhor já trabalhou. Como lhe tratavam por lá, interessa apenas aos seus ex-patrões. Aqui, por exemplo, não chamamos os empregados pelo primeiro nome, pois isso levaria à perda de autoridade. Os nossos subordinados são tratados pelo sobrenome, a fim de lhes dar personalidade própria.
Alceu permanecia de pé, em posição de sentido, como se fora um recruta diante de rigoroso sargento. Ouvia atentamente o que lhe dizia o superior, que continuava a sua explanação mencionando alguns sobrenomes de atuais empregados.
– Eu os chamo de Moreira, Souza, Silva, Andrade... E quero que me chamem de Senhor José. José! Não se aventure a chamar-me de Zé Pequeno. Seria uma desfeita imperdoável!
O Alceu nem piscou. Ouvia com atenção o que dizia o patrão.
– Agora, diga-me seu nome completo.
– Alceu Paixão!
– Está bem, Alceu. Pode retirar-se!
Zé Pequeno engoliu em seco. Temia a maldade e a chacota dos demais empregados, quando fosse obrigado a chamar o Alceu à sua presença. Àquele homenzarrão, musculoso, seria tratado diferentemente. Ele quebraria a norma da casa, para evitar interpretação maliciosa. Afinal, toda regra tem suas exceções.