QUERO SER FELIZ

Confesso que tenho alguma restrição ao lema do “quero ser feliz” das gerações mais novas. Significa algo, tipo assim, "vim para curtir e o resto que se dane". A partir dessa ideia-força, muitos valores seculares referentes à família e à sociedade debilitaram-se e os compromissos éticos tradicionais transmudaram-se em regrinhas formais e anêmicas, que limitaram muito pouco, quando limitaram. Todos nascem para a felicidade, assim como para trabalhar, lutar, amar, gerar filhos, comer, beber, dormir, respirar e, por fim, morrer. A ênfase egocêntrica do lema é que me deixa intrigado, especialmente nestes tempos de lazer desenfreado e de consumo. Penso nos reflexos dessa ideologia entre os favelados das grandes cidades ou miseráveis do sertão. Penso nos povos desvalidos da África, nos guerrilheiros idealistas, nos perseguidos, nos doentes e, sobretudo, nos que têm uma grande causa. Penso nas gerações vitimadas pelas grandes guerras, que nos legaram o fruto da sua resistência; penso nos missionários, líderes e profetas, que se entregaram a lutas impossíveis, com sacrifício pessoal. Todos devem ser felizes, mas a felicidade é decorrência de uma vida construtiva e responsável. É possível, mas não provável, alguém ser feliz sem compromisso de qualquer ordem, circulando a toa em busca apenas do sentir-se bem. Afinal, obedecer é ruim, ceder, cumprir horários também, trabalhar e receber aquém do produzido é péssimo e a injustiça, tanto quanto a ingratidão, machuca, mas nada é capaz de desviar o caminho de quem cultiva metas e objetivos. Os mais velhos têm alguma culpa por terem sido, quem sabe, um tanto permissivos ou desatentos com relação à mudança dos usos e costumes. Os que fizeram a História, num ou noutro momento, renunciaram a um grande amor, à glória efêmera ou à fortuna, tudo por um ideal maior. Não somos heróis e nem queremos governar o mundo, mas, em nosso pequeno universo, temos certamente desafios, deveres e sacrifícios a fazer para construir uma vida razoável, individualmente e para os que nos são caros, com ética e esforço. Ora, também quero ser feliz, mas, antes de desejar o baile, o bom vinho e o beijo, tenho de arar o meu terreno, erguer com as próprias mãos as trincheiras para defender a mim e aos meus e, se possível, ajudar os vizinhos que necessitem de algum apoio. Também preciso cuidar do futuro, independentemente de ter 30 ou 70 anos. O baile acaba, o beijo é emoção fugaz, mas a minha história significa um passo na evolução do homem, um pequeno exemplo de coerência e sensatez, e isto me torna mais feliz e mais útil à sociedade.