Diferente de Quem, Cara-Pálida?
Não lembro bem de quando comecei a sentir esse incômodo. Só sei que foi crescendo, como uma dor de cabeça que começa fininha, quase imperceptível. Apareceu e tomou de assalto minha mente, essa revolta que sinto contra padrões facilmente aceitos. Não tenho nada contra padrões, muito menos contra qualquer tipo de aceitação. Mas por muitas vezes o comportamento bovino desses mamíferos bípedes primatas me provoca raiva. Não só pela coisa do rebanho, nem apenas pela consciência de grupo, nem tampouco pela necessidade doentia de se encaixar em grupelhos. É a falta de reflexão sobre o fato que me deixa mais rendido. Adicione-se a isso a venda de idéias pré-concebidas, o orgulho idiota e, horror dos horrores, o mais rasteiro maniqueísmo. Sim, em última análise, somos todos iguais. Mas uns conseguem ser irritantemente mais iguais que os outros. O único alívio que já senti ao pensar nesse assunto foi quando me lembrei da entrevista com a tal garota. Em um shopping de classe média-baixa, figurava como parte de um grupo de quase-clones, quando foi abordada pela repórter.
Eis que diante das câmeras, aquela menina morena e gorducha, os cabelos forçosamente penteados em duas pesadas tranças que lhe caíam mal-arrumadas pelos lados da cabeça demonstra um pouco de timidez, mas conversa de forma simpática com a jornalista. A câmera faz algumas tomadas de suas roupas, a saia, a camisa preta, os acessórios, as tatuagens. Os tênis pretos inevitáveis, com cadarços rosa, e a animação um pouco envergonhada, porém sorridente da mocinha que os usa. Em certo momento a câmera passeia pelos amigos, reunidos em grupo, um pouco mais distantes. Uns a observam de longe, dizendo algumas palavras de incentivo, outros conversam entre si, animadamente. A repórter faz algumas perguntas, onde a única que tomou um aspecto memorável suficiente para adentrar minha memória foi a do porquê da moça usar aquele estilo, aquelas roupas, aquelas tatuagens. A resposta, que ficou registrada na câmera, com o grupo de exatamente iguais à ela no fundo, me causou um sorriso impregnado do mais doce sarcasmo e da mais suave ironia: “Para ser diferente”.