Minha voz embargada
Anjo,
Hoje meu coração ta uma tristeza só. Uma saudade do que não fui misturada à esperança do que desejo ser. Ah! Essa metamorfose ambulante sou eu! Necessito de um abraço, de um colo onde eu chore desavergonhadamente.
Ontem cheguei em casa e o silêncio veio cumprimentar-me com voz de assombração. A pequena Sophia balançava a calda e tentava insistentemente lamber minhas lágrimas, mas nem isso funcionou. Escondeu-se enfim debaixo da cama, com medo dos meus fantasmas.
Apenas um moço aflito que lhe valha uma oração, costumo ficar assim quando vou ficando mais velhinho. Domingo começo meus trinta e cinco. Eu brincava de ser a metade, mas nem sei se tanto. Outros trinta e cinco anos, anjo meu?!
Lembro-me quando era jovem ainda meu espírito, e como eu era querido, ah meu anjo, como eu era querido! E você sorria admirada desse velho amigo.
Minha voz embargada, camuflada pela folha de papel já manchada pelas lágrimas. Já ouviu falar de dor boba? Fico imaginando meu acordar nesse domingo triste, o céu nublado, Sophia me acordará com seu latido de trovão, como quem diz: parabéns papai! A chuva cairá sob o céu cinza. E serei eu mais uma vez, a metamorfose que amo e odeio. Eu menino triste, lutando contra os temporais.